Tomada a decisão de eliminar a dedução automática que até agora era atribuída ao regime simplificado do IRS, os próximos passos vão centrar-se na definição e delimitação das despesas que os trabalhadores independentes vão poder usar para abater ao rendimento que lhes chega por via dos recibos verdes.
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O objetivo é que a tipologia de despesas seja ampla e que na especialidade se possa afinar o tipo de despesas elegíveis. Uma das soluções possíveis é que possam ser usadas as faturas que atualmente entram na classificação das despesas gerais familiares.
A proposta de mudança do regime simplificado consta do Orçamento do Estado (OE) e, desde que foi conhecida, tem gerado várias críticas. Entre fiscalistas e juristas têm-se multiplicado os alertas de que as alterações vão matar o regime (ao qual podem aderir as pessoas com um rendimento anual inferior a 200 mil euros), transformando-o num regime encapotado de contabilidade organizada. Avisam ainda que será difícil para muitas pessoas justificar se a despesa realizada está ou não relacionada com a atividade.
A expressão "despesas relacionadas com a atividade" está prevista na proposta do OE, mas o JN sabe que em sede de especialidade se irá procurar afinar a malha da tipologia de gastos que podem ser usados como custo e, por isso, ser dedutíveis aos rendimentos obtidos no âmbito da categoria B - onde se incluem os profissionais liberais como tradutores, advogados, médicos ou arquitetos, e os trabalhadores independentes das atividades comerciais ou industriais, prestação de serviços associados ao alojamento local ou os que estão nas atividades agrícolas.
Às críticas e alertas que se têm feito ouvir, António Mendonça Mendes, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, tem respondido que o objetivo da medida é promover a emissão de faturas (o que alargará as potencialidades do e-fatura no rastreio de fraudes e evasão fiscais) e criar também alguma equidade e justiça fiscal.
Esta semana, no Parlamento, durante a apresentação do OE, a deputada do BE, Mariana Mortágua pediu ao Governo que clarifique as despesas que podem ser dedutíveis e o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais referiu que haverá recetividade em acolher as propostas dos partidos. Mário Centeno precisou que "o debate na especialidade vai ter essa dimensão e chegar a equilíbrios que permitam ganhar confiança interna e externa".
Essa clarificação vai ser feita e o objetivo é que a tipologia de despesas dedutíveis seja afinada de forma a travar qualquer arbitrariedade de entendimento por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira. Porque o mote não está tanto no tipo de custos que podem ajudar a reduzir o rendimento tributável, mas mais na promoção da utilização das faturas para justificar as despesas.
Despesas gerais familiares
Se o modelo final passar, por exemplo, por prever um regime semelhante ao das despesas gerais familiares, a única limitação é que o contribuinte terá de escolher se encaminha a conta do supermercado ou da gasolina para este tipo de dedução à coleta ou se a coloca no cesto das despesas relacionadas com a atividade (como trabalhador independente).
Fiscalistas e juristas olham com ceticismo para a mudança proposta no OE. Ao JN, Manuel Faustino, antigo diretor do IRS, refere que há o risco de determinadas atividades não conseguirem reunir despesas suficientes de forma a evitar um agravamento da tributação. É que, refere, apesar do caso dos profissionais liberais (em que o Fisco assume de forma automática que 25% do seu rendimento são despesas) ser o mais falado, há outras atividades em que a parcela que se assume como despesa é de 85% (caso dos comerciantes) e de 65% (alojamento local).
Frederico Velasco Amaral, do departamento fiscal da CC Ontier salienta, por seu lado, que a obrigatoriedade de se justificar com faturas as despesas acabará por levar a situações de indefinição na fronteira do que é um custo relacionado com a atividade.