Movido a eletricidade ou a hidrogénio, o Renault Embleme, apresentado em Paris, é a resposta da marca francesa aos desafios colocados pelas alterações climáticas e preservação do meio ambiente. O objetivo foi criar um protótipo funcional de um modelo familiar e levar a descarbonização para novos patamares.
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O fabricante francês considera que nenhum aspeto da descarbonização pode ser tratado de forma isolada e que qualquer abordagem deve ter em conta o ciclo de vida do automóvel, desde o início até o fim, e incluir cinco áreas principais: eco-design, seleção de recursos, produção, uso e fim de vida.
Desenvolvido pela Ampere (uma empresa do Grupo Renault ligada ao desenvolvimento de veículos elétricos), o Emblème é um concept car que reflete essa abordagem já que, revelou o construtor, emite menos 90% de gases com efeito de estufa (CO2e), ao longo de todo o seu ciclo de vida.
Cada escolha tecnológica e estilística foi ditada por especificações que visam alcançar novos níveis de mobilidade baixo-carbono explorando combinações viáveis, nomeadamente ao nível dos recursos, materiais, produção, uso e reciclagem no fim da vida útil.
Dessa forma, segundo a marca, é conseguida uma redução de 70% na pegada de carbono na produção de todas as peças. Além disso, 50% dos materiais usados na produção do automóvel são reciclados e, no final da sua vida útil, praticamente todos os materiais utilizados são recicláveis.
Engenheiros e designers trabalharam juntos para encontrar as melhores soluções em termos de aerodinâmica e eficiência energética, que resultaram numa shooting brake, com 4,80 metros de comprimento, onde o estilo e a tecnologia são determinantes para a sua pegada de carbono.
O Emblème que, apesar de ser um protótipo circulante, não deverá ser produzido, dispõe de tecnologias inovadoras, que incluem um novo e amplo ecrã panorâmico OpenR, que se estende por todo o painel de instrumentos.
O grupo propulsor de dupla energia está colocado na traseira do automóvel e é alimentado por eletricidade e hidrogénio, uma combinação ideal para viagens curtas ou de longa distância, com baixas emissões de carbono. Em modo elétrico tem uma autonomia de 300 quilómetros e, para as viagens mais longas, é utilIzado o hidrogénio.
Zero emissões até 2040
Contribuindo para o objetivo da neutralidade carbónica, o Grupo Renault pretende alcançar zero emissões, a nível mundial, até 2050, sendo que, na Europa, esse objetivo deve ser alcançado até 2040.
"A ambição do projeto Renault Emblème era conseguir a máxima descarbonização, através da conceção de um automóvel atraente, eficiente, familiar, confortável, de alta tecnologia e versátil na utilização. Mais do que um concept car, é um automóvel de demonstração que é um prazer de ver, de estar e de conduzir – é um verdadeiro convite à viagem", afirmou Fabrice Cambolive, CEO da Renault.
A análise do ciclo de vida (LCA) é um método científico utilizado para quantificar os impactos ambientais de um veículo durante a sua vida útil.
Esta análise tem em conta a extração das matérias-primas e a produção dos componentes, bem como a montagem, o transporte, a utilização, a manutenção e a reciclagem do veículo.
É a ferramenta internacional e multicritério utilizada pelo Grupo Renault e uma das suas principais utilizações é o cálculo do potencial de aquecimento global associado às emissões de gases com efeito de estufa, medido em CO2 equivalente (CO2 eq) por veículo.
O gupo calcula o consumo real dos seus veículos, ao longo de 200 mil km e 15 anos e o Megane E-Tech elétrico, por exemplo, emite 25 toneladas de CO2 durante seu ciclo de vida.
Isto é praticamente metade da quantidade de um modelo equivalente que funciona com combustíveis fósseis (50 toneladas de CO2 eq no caso de um Renault Captur, com motor a gasolina, fabricado em 2019).
E, no caso do projeto Emblème, esse valor é de apenas cinco toneladas de CO2 eq do “berço ao túmulo”, o que representa uma redução de quase 90%.
Este número foi calculado e auditado por especialistas independentes do IFPEN (Institut Français du Pétrole et des Energies Nouvelles).
As emissões em toneladas de CO2e por veículo são calculadas com base numa metodologia que abrange as seguintes etapas do ciclo: Fornecimento de matérias-primas e peças; produção (fábricas); utilização (automóvel a circular); e fim de vida (reciclagem/reutilização do veículo).
A busca por economias de CO2 eq envolveu todas as etapas do processo: desde o design exterior, passando pela produção dos materiais interiores, até ao desenvolvimento do grupo propulsor. Apoiados por ferramentas modernas e de alto desempenho, os designers e engenheiros levaram o projeto ao limite em termos de inovação.
Foi dado uma atenção especial ao peso, que tem impacto nas emissões a vários níveis: na extração das matérias-primas, na produção, no transporte, durante a utilização (impacto no consumo de energia) e na reciclagem. Para limitar o peso do Emblème a apenas 1800 quilos, os responsáveis pelo projeto procuraram eliminar os quilos em excesso, mantendo a qualidade dos equipamentos de bordo (conforto, segurança, etc.).
Por outro lado, a bateria, aço, alumínio, polímeros, componentes eletrónicos, pneus e célula de combustível e depósito são responsáveis por 90% da pegada de carbono do automóvel.
Assim, a Renault associou uma série de parceiros industriais ao processo de conceção ecológica, inclundo a AKWEL, Autoneum, ArcelorMittal, CEA, Constellium, Dicastal, Forvia, Forvia Hella, Michelin, OPmobility, STMicroelectronics, Valeo e Verkor, com o objetivo de alcançar uma redução de 70% na pegada de carbono na produção de peças de aço, alumínio, plásticos, pneus, vidro, eletrónica, etc.
Os puxadores de portas, por exemplo, são fabricados pela Akwel, e a sua conceção otimizada reduziu em 60% o peso total da peça. A simplificação do mecanismo resultou numa redução de 50 componentes, proporcionando, ao mesmo tempo, uma resposta de ativação na abertura de 0,1 segundos. As peças, fabricadas a partir de um único material, contêm 65% de material reciclado, contribuindo para uma redução de 88% das emissões de carbono.
Para fazer as portas do Emblème, a Constellium usou alumínio primário, produzido por eletrólise com eletricidade de baixo carbono, e alumínio reciclado proveniente da economia circular. Isso ilustra o potencial de circularidade a longo prazo do alumínio em automóveis.
O interior do automóvel, nomeadamente o painel de instrumentos, é feito com revestimentos à base de materiais reciclados ou naturais, que têm a vantagem de serem capazes de armazenar CO₂. As zonas de contacto nos painéis das portas e na consola central são estofadas em peles feitas de fibras de ananás, uma alternativa mais leve e sustentável ao couro animal.
No âmbito de uma abordagem Shy Tech, os comandos convencionais são substituídos por botões ocultos sob a superfície (elevadores de vidros e ecrã central), para um design minimalista e mais duradouro.
Também os faros faróis desenvolvidos pela Forvia Hella reduzem para metade as emissões de CO2, ao longo do ciclo de vida, em comparação com os faróis convencionais. Para isso, utilizam lentes fresnel, que requerem 80% menos de material. O design otimizado, o uso de processos de injeção inovadores, bem como o uso de materiais reciclados e de origem biológica, contribuem para reduzir para metade a pegada de carbono.
A produção em unidades industriais neutras em termos de carbono, a partir do final de 2025, contribuirá para reduzir a pegada até 30% e o controlo adaptativo da intensidade luminosa reduz o consumo de energia em 60%, no centro da cidade.
Pneus específicos
Os pneus desempenham um papel crucial nos projetos de automóveis de baixo-carbono, uma vez que representam cerca de 20% do consumo de energia. Aquando da sua apresentação no Salão Automóvel de Paris, o Emblème estava equipado com pneus Michelin Primacy 215/45-R22 especialmente concebidos e otimizados para um bom desempenho aerodinâmico.
Por outro lado, a Valeo desenvolveu um sistema de limpa para-brisas que inclui o motor sem escovas Nanojet Aquablade™ e peças de polímero impressas em 3D, para uma redução das emissões de CO2 eq em cerca de 60%.
A Nanojet Aquablade™ é fabricada a partir de materiais reciclados e utiliza uma tecnologia com maior número de orifícios de pulverização, ao longo da sua lâmina, que tem um diâmetro mais pequeno do que a AquaBlade™ convencional, conseguindo uma redução de 60% nas emissões de CO2eq.
Este design, segundo a Renault, melhora a limpeza do para-brisas, exigindo menos ciclos para manter a mesma qualidade. Como resultado, utiliza menos produto de limpeza e, por conseguinte, funciona com um depósito mais pequeno e mais leve.
As peças de polímero impressas em 3D reduzem as emissões de CO2 para metade , por último, o motor sem escovas é mais leve e mais eficiente, reduzindo as emissões de CO2 eq em 70%.
"Com o Emblème, quisemos levar o ecossistema da indústria automóvel a uma mobilidade mais sustentável. Este laboratório de descarbonização foi concebido para funcionar sem comprometer caraterísticas como o conforto, a segurança e a conetividade. É o resultado de uma abordagem exploratória horizontal e coletiva. Entre o Grupo Renault e os 20 parceiros, todos especialistas nos seus domínios, a inovação sem barreiras permitiu-nos atingir o ambicioso objetivo de descarbonização fixado no início do projeto", referiu Pascal Tribotté, responsável de Projetos Renault Emblème.
Aerodinâmica de Fórmula 1
O design mostra os esforços para otimizar a aerodinâmica do veículo que, juntamente com o peso, é um dos principais fatores na eficiência de um automóvel elétrico.
Assim, o coeficiente de resistência foi definido com recurso à tecnologia digital twin e a um sistema de simulação digital de última geração fornecido pela BWT Alpine F1 Team. No âmbito da colaboração entre a Renault e a Ampere, os engenheiros realizaram testes interativos no túnel de vento digital, de forma a otimizar a aerodinâmica passiva e ativa em tempo recorde, sem construir um modelo.
Antes mesmo antes de existir fisicamente, todo o automóvel atingiu a excelência em termos de penetração de ar, com um CdA de 0,60 e um Cd de 0,25, conseguindo-se uma economia de tempo e de CO2 eq.
Para atingir um fluxo aerodinâmico perfeito, o Renault Emblème substitui os espelhos retrovisores por duas câmaras integradas nas cavas das rodas, de modo a minimizar as interferências aerodinâmicas. Os limpa para-brisas estão escondidos sob o capot, enquanto os puxadores das portas sensíveis ao toque estão embutidos na carroçaria.
O Emblème foi concebido como um automóvel para o dia a dia, pelo que as suas caraterísticas aerodinâmicas ativas são, simultaneamente, discretas e eficientes.
As aletas na base do para-choques dianteiro abrem e fecham conforme necessário para arrefecer os componentes mecânicos. Sob o para-choque traseiro há um difusor ativo que roda 5 graus para cima e para baixo e inclina-se para a frente e para trás para melhorar o fluxo de ar e minimizar o arrasto. E os pneus de 22 polegadas, altos e estreitos, têm baixa resistência ao rolamento.
Motorização
Uma das particularidades do Emblème é a combinação entre a eficiência da propulsão elétrica com a autonomia e o rápido reabastecimento do hidrogénio. Esta abordagem de "dupla energia" visa superar as limitações dos veículos elétricos convencionais em longas distâncias, oferecendo uma alternativa promissora para uma condução mais sustentável.
Apesar dos avanços significativos na densidade energética das baterias, a Renault reconhece que a autonomia e o tempo de viagem ainda representam desafios para a adoção em massa de veículos puramente elétricos. É neste contexto que o Emblème surge, explorando o potencial do hidrogénio – um gás inodoro, incolor e não corrosivo que, ao ser utilizado numa célula de combustível, gera eletricidade libertando apenas água como subproduto.
O coração do Renault Emblème reside no seu sistema de propulsão de dupla energia. Para as deslocações diárias, o veículo funciona como um automóvel elétrico tradicional, alimentado por uma bateria NMC (Níquel Manganês e Cobalto) de 40 kWh, recarregada através da travagem regenerativa ou de fontes externas, incluindo potenciais células fotovoltaicas no tejadilho. Para viagens mais longas, entra em ação uma pilha de combustível PEMFC de 30 kW, alimentada por um depósito de 2,8 kg de hidrogénio com baixo teor de carbono.
Esta combinação permite ao Renault Emblème alcançar uma autonomia impressionante de até 1000 km sem emissões de CO2 pelo escape. O reabastecimento de hidrogénio é notavelmente rápido, com cada paragem de menos de 5 minutos a adicionar cerca de 350 km de autonomia. Esta característica elimina a principal desvantagem dos veículos elétricos em viagens extensas, aproximando a experiência de reabastecimento à dos veículos a combustão interna.
Baseado na plataforma AmpR Medium, o Emblème adota uma arquitetura de tração traseira que otimiza a distribuição de peso e o centro de gravidade, contribuindo para um melhor desempenho e eficiência. O motor elétrico de rotor bobinado, que dispensa a utilização de terras raras, sublinha o compromisso da Renault com a sustentabilidade em toda a cadeia de valor.
Num exemplo prático, numa viagem entre Paris e Marselha (cerca de 800 quilómetros), estima-se que 75% da eletricidade consumida pelo veículo seria gerada pela pilha de combustível, com emissões zero para além de água.
Um sistema multimédia inteligente integra um programador de viagem que calcula a quantidade ideal de energia a ser fornecida pela célula de combustível, otimizando o uso da bateria e mantendo o seu nível de carga.
Embora a tecnologia de hidrogénio para veículos de passageiros ainda se encontre numa fase exploratória, o Emblème demonstra o potencial de uma abordagem híbrida que combina o melhor de dois mundos: a condução elétrica eficiente e silenciosa para o dia a dia, e a autonomia e o rápido reabastecimento do hidrogénio para viagens mais longas.