Um setor que está com a corda na garganta abre portas para ajudar pessoas ainda piores do que ele.
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Dois em cada três restaurantes dizem não estar a ter capacidade para pagar salários e quase 60% estão em situação de insolvência, segundo a Associação Nacional de Restaurantes PRO.VAR. Mesmo assim, mergulhados numa crise de que não há memória, existem estabelecimentos a oferecer comida a famílias desesperadas. Assim como a profissionais de saúde. Seguem-se alguns exemplos de verdadeira solidariedade.
Famalicão
Pão, sopa, fruta e bolos
"Acho que nesta altura deve haver gente que quer e não tem para comer". O desabafo é de Fernanda Oliveira, proprietária e cozinheira do Restaurante Freitas, em Gavião, Famalicão, que oferece sopa, pão e fruta ao jantar, a quem precise. Fernanda Oliveira confeciona a sopa, e a ela juntaram-se uma amiga que vende fruta e a padaria que fornece pão ao restaurante. Desta forma, quem precise, só tem de levantar a refeição a partir das 18 horas, no restaurante.
"Se houver alguém que não queira cá vir por vergonha ou qualquer outro motivo, pode contactar porque, se não for daqui perto, também entregamos", explica Fernanda Oliveira, sublinhando que "o importante é ajudar quem precisa".
"Não faço perguntas, não quero saber da vida de cada um", adianta, salvaguardando que cada um "terá de ser consciente e não pedir refeições "para 20 quando em casa apenas são 10". "Se houver instituições interessadas, também oferecemos", diz.
O restaurante tem divulgado a iniciativa, mas ainda não conseguiu o alcance pretendido. "Acho que se houver maior divulgação vão aparecer mais pessoas, porque de certeza que há quem precise", refere a proprietária. "Quem quiser é só vir ou contactar-nos, estamos cá todos os dias", sublinha Fernanda Oliveira.
Pedro Oliveira, dono da pastelaria Don Marco, também em Famalicão, já costuma ajudar quem precisa através do projeto Refood, mas com o confinamento teve de optar por outra via. Neste momento, oferece pão e bolos, que deixa dentro de sacos de plástico à porta para que quem precise levar para casa.
"Em vez de deitar fora bolos e pão frescos, deixamos à porta para quem precisa", explicou aquele responsável. Atualmente, o estabelecimento encerra às 14.30 horas à semana e às 13.30 ao fim de semana.
Pedro deixa à porta sacos de pão e bolos devidamente etiquetados com a validade e a quantidade de cada um. A iniciativa foi anunciada nas redes sociais da pastelaria, e foram vários os contactos, até mesmo de pessoas de fora do concelho. "Acho que esta ajuda pode fazer a diferença. É pena que muita gente não siga o exemplo, porque o que estamos a doar está aquém do que acho que é preciso", adianta. "Há dias em que antes do encerramento já está aqui gente para vir buscar", nota. "Leve só o que precisa", apela Pedro Oliveira.
Bragança
"Mimos" aos médicos que combatem covid
O restaurante Panorama-Quinta das Queimadas e a Cruz Vermelha de Bragança juntaram-se para oferecer refeições aos profissionais de saúde de Medicina Intensiva do hospital da cidade. Às quartas-feiras, Paulo Gomes, o empresário, abre a cozinha, fechada por causa do confinamento, para confecionar entre 20 a 30 almoços. A entrega das refeições é assegurada pela Cruz Vermelha.
"Acho importante existir um envolvimento solidário da comunidade, para tentar chegar às pessoas que trabalham e tratam doentes com covid-19 há tantos meses", explicou o empresário. "É um mimo para quem trabalha tanto", acrescentou Paulo Gomes, que já no primeiro confinamento ofereceu refeições aos mesmos profissionais. A iniciativa envolve a colaboração de empresas locais, que oferecem bens alimentares.
Caldas da Rainha
Bifanas para forrar o estômago
Emanuel Chamusco, 40 anos, não consegue ficar indiferente às dificuldades das pessoas que ficaram desempregadas ou perderam rendimentos devido à pandemia. Confrontado com casos de forme, o sócio-gerente do Caldas Bar, nas Caldas da Rainha, começou a dar bifanas a quem não podia pagar, após o primeiro confinamento, e nunca mais parou. Hoje, oferece 400 todos os dias.
"Houve um estudante da Escola Superior de Artes e Design que me perguntou o que é que podia comprar com 80 cêntimos", conta Emanuel. "Disse-lhe que podia comer à vontade, que eu pagava", respondeu. Percebeu então que havia mais alunos a passarem por uma situação difícil, pelo que ainda hoje oferece uma bifana todos os dias a "sete ou oito", assim como a outras pessoas sem possibilidades de pagar.
Além de oferecer essas 30 a 40 bifanas, entrega 150 aos profissionais de saúde do Centro Hospitalar do Oeste, seguiu-se o Hospital de Torres Vedras, onde leva outras 150, a Misericórdia e os Bombeiros do INEM, aos quais dá 30 a 40, no total. Mesmo com a ajuda de amigos, que contribuem com carne, pão e fruta, já esgotou os três mil euros de lucro de 2020. Neste momento, está com um prejuízo de 60 euros por dia.
89,7%
Em 2021, com apenas um mês decorrido, 89,7% das empresas de restauração perderam mais de metade da faturação homóloga, duas em cada três dizem não ter capacidade para pagar salários e 88,5% não conseguem pagar todas as despesas.
58,2%
Em situação de insolvência ou falência, afirma a Associação Nacional de Restaurantes, estão 58,2% das empresas ligadas à restauração, uma vez que ou não abrem ou não escoam.
Mais pobres
O número de pessoas em situação de pobreza extrema no Mundo vai aumentar em 150 milhões em 2021 devido à pandemia de covid-19, prevê o Banco Mundial.
Ajudas que surgem noutros pontos do país
A iniciativa tem vários outros exemplos, como a padaria Trigo Dourado, em Faro, que dá pão a quem precisa, e o restaurante Ao Monte, em Queluz, que oferece sopa. A Adega Leo do Petisco, em Setúbal, conhecido pelo seu choco frito, decidiu também criar uma "campanha de ajuda" e dá sopa, pão e fruta durante o período de pandemia. Esta terça-feira foi o primeiro dia. Às terças, quintas e sábados oferece sopa, pão e fruta com o contributo de "amigos e produtores". As doações são feitas ao almoço e ao jantar.