As companhias de seguros pouparam 139 milhões de euros com a redução da sinistralidade automóvel, no ano passado e face a 2019. Mas só 13,4% dos clientes tiveram desconto no prémio.
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A Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) divulga os números, mas não explica por que motivo a maioria dos contratos não beneficiou do desconto, previsto na lei que lhe compete fiscalizar. A associação Frente Cívica, que tem acompanhado a questão junto do Governo, pondera avançar com uma ação coletiva contra as companhias que recusaram devolver dinheiro aos clientes.
"As companhias estão a apropriar-se de um valor que não lhes pertence porque o risco não se verificou", resumiu Paulo Morais, presidente da Frente Cívica. "Em abril, alertámos o Governo para esta situação. Em maio, saiu a lei e, a 23 de junho, a ASF publicou a norma regulamentar. Temos acompanhado a monitorização e verificamos que as companhias falham o cumprimento da lei, desde logo na divulgação que deviam fazer. E, claro, falham, porque só reduziram o prémio a 13,4% dos tomadores de seguros automóveis", acrescentou.
Regulador sem resposta
A ASF tem divulgado reportes de acompanhamento, onde os números estão explícitos. Dos 7,4 milhões de contratos de seguro automóvel existentes em Portugal, só 994 981 foram alvo de redução do prémio. A ASF não indica que desconto foi feito, percentual ou absoluto, nem que companhias estão a cumprir a lei e recusou explicar por que motivo os números de contratos com descontos é tão baixo.
Já a Associação Portuguesa de Seguradores não quis responder em nome dos associados, considerando que a matéria em causa está sob alçada da ASF (que regula o setor). As maiores companhias de seguros (Fidelidade, Ageas, Zurich, Liberty) remeteram respostas, também, para o regulador.
"Houve companhias a exigir que o cliente demonstrasse a perda de 40% da faturação, quando essa regra é para os tomadores de seguros empresariais", nota Mário Frota, presidente da Associação Portuguesa de Direito do Consumo.</p>
Em causa está o artigo 3.º do decreto-lei n.º 20-F/2020, de 12 de maio, que atribui direito a desconto a "tomadores de seguros que desenvolvem atividades que se encontrem suspensas ou cujos estabelecimentos ou instalações ainda se encontrem encerrados", mas também "aqueles cujas atividades se reduziram substancialmente em função do impacto direto ou indireto dessas medidas" - ou seja, todos os clientes de seguros em confinamento. "As seguradoras e a ASF, aparentemente, dirigiram os descontos apenas aos primeiros e decidiram ignorar os segundos. Por isso, estamos a ponderar, se o Governo nada fizer, avançar com uma ação popular", anunciou Mário Frota, também membro da Frente Cívica.</p>
"Seguradoras houve, com efeito, que reduziram o prémio em 20 €, quando os cálculos reais apontariam para, pelo menos, cerca de 100 €", exemplificou Mário Frota, aludindo a um caso real com um prémio anual de seguro automóvel de 756€. Todos estes cálculos são relativos apenas ao primeiro confinamento.
De lá para cá, até ao dia em que reabrirão as escolas do 2.º e do 3.º ciclos, a 5 de abril, em 381 dias, teremos estado confinados por decreto do Governo num total de 159 dias, 41,7% do tempo. Os custos de sinistralidade das companhias continuaram a baixar. Até fevereiro, já diminuíram 15,4%, de acordo com os números publicados pela APS. O rácio entre sinistros e valores recebidos baixou para 51,7% e este segmento é, agora, um dos mais rentáveis para as seguradoras.
Reembolso depende de acordo
O reembolso de parte dos valores pagos pelos titulares dos seguros por "redução temporária do risco" não é automático e depende de acordo entre a seguradora e o tomador do seguro. A lei remete para um entendimento entre as partes a adoção das várias soluções, como o afastamento da resolução automática ou a não prorrogação por falta de pagamento; o fracionamento do prémio; a prorrogação da validade do contrato; a suspensão do pagamento; e a redução temporária do montante do prémio em função da redução temporária do risco. A Frente Cívica preparou uma minuta de carta que os consumidores podem preencher e enviar às seguradoras (frentecivica.com/). Mário Frota adianta, porém, que estas "têm recusado reduzir o prémio". E protesta que "a lei não devia fazer depender de acordo, quando as partes não têm o mesmo nível de poder de negociação. Devia ser automático".