Mais de 500 milhões de euros em multas aplicadas. Recursos na justiça contribuem para que só uma pequena parte seja desembolsada.
Corpo do artigo
12507972
A Autoridade da Concorrência (AdC) aplicou multas no valor de 583 milhões de euros entre 2004 e 2019, mas só recebeu, efetivamente, 15,5 milhões, isto é, 2,7% do valor que pretendia arrecadar. Apenas 40% da receita iria para a própria AdC, indo a fatia restante para o Estado. Um dos motivos prende-se com os múltiplos recursos que arrastam os processos no tempo.
"O prestígio da AdC, em termos sancionatórios, afere-se pela sua capacidade punitiva, pela robustez das suas decisões e pelo facto de ser muito baixa a percentagem de decisões em que não é alvo de confirmação pelos tribunais. A AdC tem feito um esforço grande no sentido de concluir os processos em cada vez menos tempo, e também os tribunais têm adotado decisões de forma cada vez mais célere", considera Sara Rodrigues, sócia da FCB Advogados e ex-jurista da própria AdC.
O Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão é o caminho alternativo para quem cai nas malhas da AdC. E, segundo fonte ligada à supervisão, este é também o caminho que pode levar a que as receitas de coimas nunca digam respeito ao ano da sua aplicação e, frequentemente, nem cheguem a ser pagas, devido a acordos ou absolvições. Em junho último, por exemplo, o referido Tribunal estava a julgar recursos dos grupos EDP e Sonae às coimas de 38,3 milhões de euros aplicadas em maio de 2017 pela AdC por pacto de não concorrência na implementação da campanha comercial "Plano EDP Continente", que decorreu em 2012.
No entanto, a aceleração na atividade da Autoridade ficou à vista no ano passado. "O valor das coimas aplicadas pela AdC durante o ano de 2019 atingiu um total superior à soma de todas as que foram aplicadas durante os 15 anos prévios de existência da instituição, devido ao número de casos sancionados, à dimensão e ao número das empresas envolvidas", sublinha Leyre Prieto, especialista em concorrência da Telles Advogados. Mesmo excluindo 2019, a percentagem média de coimas recebidas face às aplicadas, entre 2004 e 2018, é de apenas 7%.
Não há praticamente setores intocáveis para esta entidade. À Banca, por exemplo, foi aplicada a maior multa de sempre: 225 milhões de euros.
cartel nos combustíveis?
Há setores onde a irregularidade mais suspeita é o cartel, isto é, acordos entre empresas concorrentes que distorcem a concorrência e prejudicam o consumidor. No caso dos combustíveis, nunca se provou, apesar de ser uma das suspeitas mais comuns entre os consumidores. Em 2009, a AdC concluiu que o facto de os postos terem preços semelhantes deve-se a um paralelismo de comportamento e não à existência de concertação. "Há determinado tipo de infrações mais difíceis de detetar, como é o caso dos cartéis, atenta a sua natureza secreta", refere Sara Rodrigues. "Para haver uma prática anticoncorrencial de cartelização ao nível dos preços, deve existir essa combinação prévia entre as empresas", sublinha Leyre Prieto.
No entanto, a AdC, sob a liderança de Margarida Matos Rosa desde 2016, não parece temer as grandes empresas. O arranque de 2020 tem sido fulgurante. "É muito positiva a intensificação da atividade da AdC, fruto de uma grande alteração de estratégia de investigação levada a cabo nos últimos anos", considera Sara Rodrigues. "A aplicação das regras da concorrência traz benefícios evidentes às empresas, aos consumidores e, em geral, à economia", sublinha Leyre Prieto.