Paulo Gomes Pinto viu a sua vida virar-se do avesso em 2016, quando foi executado para pagar uma dívida. "Recebi um telefonema, avisando-me que à porta de casa alguém me notificava de uma penhora superior a 300 mil euros", recorda.
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"Fiquei sem pinga de sangue", disse ao JN/Dinheiro Vivo. Percebeu, ao fim de algumas perguntas, que se tratava de um aval que tinha dado a uma empresa da qual se tinha desvinculado há 15 anos.
"O processo, envolvendo o banco BIC, já durava há mais de um ano, já tinha juros e custas várias acumulados", adiantou. "Pensei que o resultado de uma vida inteira de trabalho e esforço acabava de ir por água abaixo e senti-me culpado, incapaz de defender a minha família", disse.
Ficou noites sem dormir, a relação com a mulher ficou tensa. Temeu pelo futuro dos dois filhos. "Imaginei-me a ter de entregar a nossa morada de família". Paulo viu o salário penhorado e a sua credibilidade profissional em causa.
Desfecho feliz
Mas, neste caso, houve um desfecho feliz. O Supremo Tribunal de Justiça livrou Paulo Gomes Pinto da dívida. Num acórdão de junho de 2018, considerou tratar-se de uma situação de abuso de direito.
A maior parte das pessoas não tem noção do que implica ser fiador
Mas, na maioria dos casos, quando são chamados a pagar uma dívida, os fiadores não têm como escapar. "A maior parte das pessoas não tem noção do que implica ser fiador", disse João Barbosa, administrador da Reorganiza, especialista em gestão de finanças pessoais.
"O papel do fiador num crédito à habitação pode gerar algumas situações complicadas. Isto porque, em vários casos, os fiadores não conhecem os seus direitos e quando existe uma situação de incumprimento de pagamentos, o fiador poderá ter de ser ele a pagar a dívida", disse Rui Bairrada, CEO do Doutor Finanças. "Isto implica que tenha de assumir uma nova dívida inesperada e, com isso, poder estar a ferir gravemente a estabilidade da sua vida financeira". Foi o que aconteceu a Joaquim Martins (nome fictício). Com o salário penhorado, para não ficar sem a casa de família, contraiu um empréstimo para pagar ao banco, o BCP, uma hipoteca do cunhado.
Tudo se complica quando os créditos são vendidos a empresas financeiras especializadas em malparado. Deixa de haver tanta margem para negociar e uma maior pressão sobre os devedores.
Maria Fonseca (nome fictício) é fiadora e está a ser alvo de cobrança por parte da empresa Whitestar. Formada em Matemática, está perante uma dívida elevada num empréstimo em que foi fiadora.
O crédito à habitação e ao consumo está em máximos e o número de pedidos de ajuda de sobre-endividados tem vindo a crescer. "Nos últimos meses temos recebido mais pedidos de ajuda, sobretudo relacionados com cartões de crédito", disse João Barbosa, que aponta a subida das rendas das casas como um fator de pressão. A Deco recebeu 26 200 pedidos de ajuda até outubro.
A saber
1,3 milhões de fiadores deram o nome em contratos de crédito. Destes, 75 mil são fiadores de dívidas em incumprimento.
Prazo de reflexão
Tanto no crédito à habitação como no crédito ao consumo existe um período de reflexão de, respetivamente, oito dias e 14 dias úteis. O fiador deve ler com cuidado os contratos e ponderar se deseja assumir o compromisso financeiro.
Excussão prévia
O benefício de excussão prévia é um dos direitos do fiador. Permite que o fiador recuse pagar uma dívida em incumprimento enquanto não for primeiro executado o património do devedor principal. Os fiadores devem recusar assinar contratos de crédito que impliquem a renúncia ao benefício de excussão prévia.
Renegociar dívida
Numa situação de incumprimento, o fiador deve incentivar o devedor principal e o banco a renegociar a dívida, com o alargamento do prazo do contrato, por exemplo.
Deixar de ser fiador
É possível deixar de ser fiador, mas é provável que o banco peça ao devedor principal que avance com uma outra garantia ou que indique um novo fiador.
*Dinheiro Vivo