Manifestantes nepaleses incendiaram, esta terça-feira, o Parlamento na capital Katmandu, após a demissão do primeiro-ministro na sequência de protestos que causaram 19 mortos.
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"Centenas de pessoas invadiram o recinto do Parlamento e incendiaram o edifício principal", declarou Ekram Giri, porta-voz do parlamento, citado pela agência de notícias France-Presse (AFP).
Os incidentes no parlamento ocorrem pouco depois de o primeiro-ministro Sharma Oli se ter demitido, na sequência de uma onda de protestos contra a proibição de acesso às principais plataformas de redes sociais e o aumento da corrupção.
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Vídeos divulgados nas redes sociais mostravam uma espessa nuvem de fumo a envolver o edifício, no centro da capital do país dos Himalaias, situado entre a Índia e o Tibete, com cerca de 29 milhões de habitantes.
Apesar do recolher obrigatório imposto no início da manhã, grupos de jovens manifestantes saíram às ruas de Katmandu e atacaram durante todo o dia edifícios públicos e residências de líderes políticos.
Um grupo de manifestantes conseguiu apreender armas de fogo de polícias encarregados de proteger o complexo governamental de Singha Durbar, constatou um jornalista da AFP.
A residência do primeiro-ministro, de 73 anos, também foi incendiada. Ao meio-dia (hora local), Sharma Oli anunciou a demissão para que pudessem ser tomadas medidas "com vista a uma solução política", segundo escreveu numa carta ao Presidente nepalês.
Foto: NARENDRA SHRESTHA/EPA
"O Governo caiu, os jovens venceram e assumiram o controlo do país", congratulou-se um manifestante, Sudan Gurung. "O futuro é nosso", acrescentou, citado pela AFP.
A polícia abriu fogo na segunda-feira contra milhares de manifestantes que marchavam pelas ruas de Katmandu para exigir o fim do bloqueio das redes sociais ordenado quatro dias antes e denunciar a corrupção das elites do país.
Pelo menos 19 pessoas foram mortas, incluindo 17 em Katmandu, e várias centenas ficaram feridas, de acordo com um balanço oficial.
À noite, o chefe do Governo ordenou o restabelecimento das redes sociais e a abertura de uma investigação independente sobre as condições da intervenção policial. Mas a ira da população não diminuiu.
Líder do Partido Comunista Nepalês, Oli terá concluído hoje uma carreira política de mais de 60 anos, marcada principalmente pela longa guerra civil que assolou o Nepal até a abolição da monarquia em 2008.
Eleito pela primeira vez primeiro-ministro em 2015, foi reeleito em 2018, nomeado novamente para chefiar o executivo em 2021 e, em 2024, reconduzido à liderança de uma coligação parlamentar que inclui o centro-direita.
A demissão de Oli ocorreu após a saída de três ministros, incluindo o ministro do Interior.
O Governo anunciou na passada quinta-feira o bloqueio das redes sociais em conformidade com uma decisão de 2023 do Supremo Tribunal. As autoridades exigiram que as redes sociais nomeassem um representante local e uma pessoa responsável pela regulação dos conteúdos.
"O Governo não queria bloquear o uso das redes sociais", defendeu hoje o primeiro-ministro pela última vez. "Apenas queria proteger o quadro do seu uso, não valia a pena manifestar-se por isso", afirmou.
Inicialmente motivados pelo bloqueio, os protestos acabaram por se transformar numa denúncia da corrupção das autoridades, num país com uma economia em desaceleração e uma elevada taxa de desemprego.
"Queremos que isso mude", resumiu na segunda-feira o manifestante Ikshama Tumrok, 20 anos.
Nos últimos dias, as plataformas ainda em funcionamento foram inundadas com vídeos questionando a vida luxuosa dos filhos de políticos.