Empresas contactadas pelo JN relatam dificuldades desencadeadas por aumentos exponenciais nas matérias-primas e nos preços da eletricidade, gás e combustíveis. Associação Empresarial do Minho sugere a criação de um PRR centrado nos efeitos da guerra.
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Guimarães: "Mais assustador que a pandemia"
O setor da cutelaria está apreensivo com o aumento do custo da energia e matéria-prima. "Ao mesmo tempo que temos a energia a 600 euros por megawatt, temos o aço a tocar preços incomportáveis", diz Clara Marques, presidente da Herdemar, em Caldas das Taipas. "Temos um contrato de preço fixo que termina brevemente e os custos da energia podem passar de 4% para 12% do total".
A principal matéria-prima para a cutelaria é uma liga de aço com níquel, produzido na Rússia. "A cotação do níquel, na semana passada, subiu 250%, fazendo com que a comercialização fosse suspensa". Para a empresária "isto é bem mais assustador que a pandemia".
Segundo Eduardo Guimarães, administrador da Lasa - grupo sediado em Guimarães, com fiação, tecelagem, tinturaria e confeção -, não foi a guerra que espoletou o aumento do preço da energia, que já se sentia nos últimos três meses de 2021. "A guerra veio agravar e fazer com que os custos chegassem a valores incomportáveis". A Lasa está a pagar mais 134% pela eletricidade e mais 350% pelo gás que no período homólogo de 2021.
Luís Ribeiro Fontes, secretário-geral da Associação Nacional das Indústrias de Têxteis-Lar , diz que a situação que se vivia no final do ano passado implicava "preocupação", o momento atual é de "dramatismo puro". Nenhum setor da cadeia produtiva escapa ao aumento dos custos.
Braga: Empresas com 400% de aumento na eletricidade
O Grupo Navarra, de Braga, da área dos alumínios, enfrenta uma variação face a 2021 de 400% no caso da eletricidade, de 383% no gás natural e de 30% no gasóleo. A par disto, enfrenta as subidas exponenciais do alumínio.
Para Arminda Carmo Cunha, CEO do Grupo, "a instabilidade geopolítica e dos mercados coloca em risco a atividade e sustentabilidade financeira das indústrias". "É urgente que o Governo mobilize os recursos nacionais e europeus e se concentre no apoio direto às empresas, a fundo perdido, para compensar o diferencial das cotações "estáveis" para as inflacionadas, e fixe preços", diz a gestora.
Já José Teixeira, da empresa DST, diz que o grupo gasta 1,5 milhões de euros por mês em eletricidade, água e gasolinas, pelo que os aumentos são "brutais": "o fornecedor já denunciou o contrato". Diz que não perdeu competitividade porque a situação "é igual para todos" e sublinha que a DST "é resiliente por ter optado pela inovação, o conhecimento e a cultura".
Ricardo Costa, da Associação Empresarial do Minho, diz que há quem queira suspender a atividade e propõe um novo PRR na Europa, este para as consequências da guerra na Ucrânia.
Vagos: Fatura mensal do gás subiu de 77 mil para 220 mil euros
Na fábrica de porcelanas Costa Verde, em Vagos, o aumento do custo da energia faz temer o futuro. A fatura do gás passou de uns "77 mil euros mensais para 220 mil, pela mesma quantidade e serviço". Também a da eletricidade triplicou. As contas são de Carlos Teixeira, presidente do Conselho de Administração, e dão nota de um cenário "incomportável".
A isto soma-se "um aumento da matéria-prima, já que o maior custo na extração de argila, caulino e barro é o combustível para as máquinas que retiram aquele produto da terra e o transportam". Isso faz com que a Costa Verde esteja a "pagar pelas mesmas matérias-primas mais do dobro".
"Estive a falar com colegas do setor, com carteira de encomendas até 2023, que vão ter de fechar porque a incidência do aumento dos custos é de tal maneira brutal que não conseguem fazer face", revela Carlos Teixeira ao JN.
A Costa Verde, que exporta cerca de 70% da produção, mantém-se de portas abertas. Tem vindo a fazer uma "revolução" nos produtos, procurando alargar mercados, já que o canal Horeca (Hotelaria e Restauração) foi largamente afetado devido à pandemia. A laboração de uma segunda unidade, concluída em 2020, tem sido adiada. A intenção era abrir em meados do ano, mas, à incerteza da pandemia e aumento de custos, junta-se a dificuldade em conseguir "mão de obra", diz Carlos Teixeira.