Quem tem empréstimos e aderiu às moratórias pode pedir novos créditos, um cenário que o legislador não previu e que os bancos e a Deco temem que leve ao aumento do malparado.
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Até ao final de maio, havia mais de 688 mil contratos "suspensos" e a hipótese de aderir às moratórias, que tinha terminado a 30 de junho, já é possível desde anteontem e até 30 de setembro próximo.
"Não existe uma proibição de celebração de novos contratos de crédito por parte de clientes que beneficiem da moratória pública ou de moratórias privadas", confirma o Banco de Portugal, ressalvando que "antes de conceder um novo crédito a instituição deve avaliar a capacidade do cliente para cumprir as obrigações que pretende assumir".
Os portugueses parecem estar a ser prudentes, avaliando pelo número de novos contratos de crédito em maio face ao mesmo mês do ano passado: quedas de 48,8% no crédito pessoal, de 49,4% no automóvel e de 58% nos cartões. Também em valor, estes novos créditos são inferiores aos de maio de 2019: recuos de 60% nos créditos pessoais, num total de 122 milhões de euros; de 50,2% de créditos automóvel, num total de 134 milhões de euros; e de 56,8% de créditos em cartões, num total de 41 milhões de euros. Ao todo, os particulares deviam, em maio, 139,7 mil milhões de euros. Em moratórias a particulares, nos oito principais bancos, estão 600 milhões de euros.
A transposição para Portugal da recomendação da Autoridade Bancária Europeia, de 18 de junho, que estende o prazo de adesão às moratórias de 30 de junho até 30 de setembro, entrou anteontem em vigor, mal foi publicado o Orçamento Suplementar em "Diário da República", o que poderá aumentar o valor de créditos suspensos até março.
Problemas à vista
Os novos créditos não são abrangidos pelas moratórias (só os celebrados até 26 de março deste ano), contudo as instituições estão apreensivas com a possibilidade de o crédito malparado subir em março do próximo ano, quando terminam as moratórias do crédito hipotecário ou de créditos pessoais. Quase 70% das moratórias foram concedidas a famílias e estas correm o risco de chegar a altura de retomar o pagamento das prestações ainda sem emprego, devido à pandemia, ou em situação de sobre-endividamento, se não tiverem gerido este período da melhor maneira.
Quem optar suspender o pagamento de capital e juros verá a sua prestação aumentar no período pós-moratória. Num crédito de 150 mil euros a 30 anos, spread de 1,5%, a prestação é de 495 euros, saltando para 498 euros no pós-moratória devido à capitalização de juros.
"Apesar de haver ainda um elevado grau de incerteza, é natural que, findo o período das moratórias, venhamos a assistir a um aumento do crédito malparado", admite a Associação Portuguesa de Bancos. A Deco antecipa dificuldades com o fim das moratórias privadas da Associação de Instituições de Crédito Especializado, já no fim de setembro deste ano, e com a retoma, em outubro, do pagamento de serviços que não podia ser cortados, como a água e a luz.
Conselhos
Juntar pé-de-meia
Se o alívio das prestações durante a vigência das moratórias o permitir, tente pôr algum dinheiro de lado para emergências e para a crise que se perspetiva no pós-pandemia.
Pagar dívidas
Se conseguir eliminar dívidas não abrangidas pelas moratórias (cartões, conta ordenado, entre outras) com os valores que está a poupar ao não pagar prestações da casa ou do carro, entre outros créditos abrangidos pela moratória, faça-o antes que acabe o "alívio".
Evitar compromissos
Acima de tudo, não contraia novos créditos com a folga financeira que obteve na pandemia. O que não está a pagar agora vai acabar por ser pago mais tarde e se lhe juntar dívidas pode acabar insolvente.
Quando acabam as ajudas?
30 de setembro
Água e luz
Os serviços essenciais tornam a poder ser cortados caso os consumidores não paguem as faturas vencidas, mais as relativas a consumo atual.
30 de setembro
Cartões
Termina a duração da moratória da Associação de Instituições de Crédito Especializado que abrangeu cartões e linhas de crédito ao consumo.
31 de março
Créditos
Prestação da casa e de crédito para educação (moratória pública) regressa em abril. Créditos com moratória privada suspensos até fim de junho.