Quatro anos após a criação de uma comissão para travar o desperdício alimentar, há queixas de muito ainda por fazer.
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Os locais específicos em supermercados para venda de produtos em risco de desperdício permitiram salvar 9054 toneladas só no ano passado, mais 9% do que em 2018. Os dados são do relatório de progresso da Comissão Nacional de Combate ao Desperdício Alimentar (CNCDA). Quatro anos depois da sua criação, ainda não há números, mas estima-se que Portugal desperdiça todos os anos um milhão de toneladas de alimentos. Esta terça-feira comemora-se, pela primeira vez, o Dia Internacional de Consciencialização sobre Perda e Desperdício de Alimentos.
Já há 1137 lojas pelo país com circuito comercial para os produtos em fim de prazo, mais 36% do que em 2018. Esta é uma das medidas previstas na Estratégia Nacional e Plano de Ação de Combate ao Desperdício Alimentar, que tem dado passos na sensibilização de toda a cadeia alimentar.
O que pode ser doado?
Até ao fim do ano, será lançado um selo para distinguir empresas que atuem contra o desperdício e está em revisão o documento relativo a géneros alimentícios que podem ser doados para facilitar a doação.
É consensual o avanço que o país deu, mas ainda há muito a fazer. Para Isabel Jonet, presidente do Banco Alimentar Contra a Fome, "o mais importante é que se fala disto". "É preciso olhar, desde a agricultura ao retalho para os produtos excedentários para que, em vez de se destruírem, se doem".
Incentivos fiscais
Hunter Halder, que criou em 2011 a Refood - que no ano passado resgatou dois milhões de refeições e tem 60 núcleos em todo o país - alerta para o aumento das necessidades na pandemia. "A solução está no desperdício. O Estado tem feito trabalho, mas falta mudar práticas. Há imensos refeitórios de escolas ou hospitais, e basta incluir uma cláusula no contrato com a empresa que fornece refeições para doar os excedentes".
Se todos travassem o desperdício, garante, "ninguém passaria fome". Mas o norte-americano diz que só a legislação pode solucionar o problema. "Fazemos isto há nove anos e continuamos na base da boa vontade. As empresas nunca se vão alinhar sem uma lei", diz, apoiando intenções como a do PAN de punir supermercados que deitem alimentos em condições para o lixo.
Opinião diferente tem Paula Policarpo, presidente da Zero Desperdício, pioneira neste combate. Já recuperaram 10 milhões de refeições. "Mais do que multas, é preciso evitar as sobras. Se a lei obriga o retalho a doar tudo, é preciso haver logística para isso. E o retalho é apenas uma parte da cadeia de valor. Antes, é preciso estender boas práticas, alterar rótulos de fim de vida. As soluções já existem, falta torná-las numa política pública, que seja feita de incentivos, nomeadamente fiscais, e não de penalizações", defende ao JN.
Loja online escoa 200 mil produtos
Desde 2016, a GoodAfter.com, do Porto, já vendeu 200 mil unidades de 8000 produtos diferentes em fim de validade. "Tem havido um crescimento muito grande. As pessoas estão muito mais sensíveis à causa do combate ao desperdício. Já salvámos 225 toneladas", diz Chantal de Gispert, cofundadora.
A loja online vende produtos que seriam destruídos por fim da validade, porque a linha foi descontinuada ou por se tratarem de produtos sazonais (natalícios, por exemplo), com descontos que chegam aos 70%. Conta mais de sete mil clientes regulares. "Não são pessoas que só pretendem poupar dinheiro, mas sim poupar o planeta". A loja só vende produtos com a designação "consumir de preferência antes de". Não vende frescos, cuja designação é "consumir até".
"A diferença é que não está em causa a segurança alimentar. Os produtos podem ser consumidos depois da data, o que muda são características como a crocância". Na loja, o cliente sabe sempre por que razão o produto está ali e chegam de fabricantes, hipermercados ou pequenas mercearias.
No Parlamento
PAN quer multas
O PAN tem um projeto-lei para obrigar os supermercados a doar os alimentos ainda bons para consumo e impedir que vão para o lixo. Prevê coimas e também benefícios ao nível do IRC para as empresas com boas práticas, iniciativa já chumbada em 2016.
Fazer inquérito
O PEV quer que haja um inquérito nacional sobre o desperdício alimentar. A medida, prevista na Estratégia Nacional, está a ser desenvolvida pelo INE.