Em 2025, cabe à Serra d’Ossa o título de Cidade do Vinho, motivo para rumar aos concelhos que a compõem – Estremoz, Borba, Redondo, Alandroal e Vila Viçosa. Terras férteis em adegas que respeitam o terroir com práticas sustentáveis e que criam safras frescas e elegantes. Para desacelerar, há camas e mesas de confiança.
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As paredes em pedra e os tetos em madeira coabitam com linhas minimalistas, as tapeçarias com peças de design mais contemporâneo, os quadros de arte abstrata com fotografias que ilustram a vida rural que aqui já existiu. É do casamento entre o rústico e o moderno que nasce o Land Of Alandroal, o novo turismo rural que veio dar nova vida a um monte alentejano bicentenário, recuperado de forma a manter a sua estrutura e respeitar os seus 200 anos.
Este cinco estrelas é um dos reforços no alojamento do concelho do Alandroal, um dos cinco municípios que integram a Serra d’Ossa, ao lado de Estremoz, Borba, Redondo e Vila Viçosa, território eleito Cidade do Vinho 2025, e que este ano tem motivos extra – não que os precise – para uma visita, a reboque das suas vinhas, e não só.
Aberto desde o ano passado, destinado só para adultos, o Land Of Alandroal é um projeto familiar que soma 24 suites duplas com terraço, dos quais se apreciam os 30 hectares de vales verdes em redor, que rimam com o mural esculpido por Vhils na fachada de um dos seus edifícios, ilustrando a planície alentejana. O tempo livre divide-se entre a piscina aquecida – metade interior, metade exterior -, o spa com banho turco e sauna, e a biblioteca abastecida de jogos tradicionais e livros de poesia, vinhos, arquitetura ou azulejaria, mas também entre os passeios em bicicletas elétricas, workshops de pão e provas de vinho, algumas das atividades que aqui ajudam a atrasar os ponteiros do relógio.
O pequeno-almoço serve-se até tarde e ao longo do dia há petiscos mais leves. Ainda assim, as atenções voltam-se para o jantar, com o chef bejense Narciso Peraltinha a comandar o restaurante da herdade. Com 22 anos de percurso, trocou a matemática pela cozinha e honra aqui os sabores alentejanos, em pratos como o porco preto com migas de espargos e puré de abóbora; as costeletas de borrego com alecrim, puré de ervas e batata gratinada; o naco de vitela com esparregado de nabiça e chips de batata doce; o peixe do rio com batata, molho de tomate, poejo e tomilho; ou os cogumelos com alho, coentros e tosta fina de pão alentejano, inspirados numa receita de Maria de Lourdes Modesto, prima de uma das proprietárias do Land, e uma das principais inspirações do chef.
Uma adega subterrânea no Redondo
Na aldeia do Freixo, concelho do Redondo, esta adega subterrânea, construída em profundidade e assinada pelo ateliê de Frederico Valsassina, levou a Herdade do Freixo a conquistar o prémio Edifício do Ano 2018 na categoria Arquitetura Industrial, pela ArchDaily, em Nova Iorque. Mas as valências desta casa fazem-se principalmente de outra camada, os vinhos – que comercializam há nove anos – feitos a partir de castas “com boa adaptação ao terroir e à Serra d’Ossa, com práticas respeitadoras da natureza e viradas para a sustentabilidade”, conta Joana Gervásio, técnica do enoturismo, exemplo disso sendo as suas vinhas de baixa intervenção.
As visitas fazem-se ao longo de uma rampa em espiral, que permite espreitar ao longo de vários andares as várias salas e fases da vinificação. Entre brancos, tintos e rosés, somam-se 14 referências no mercado, com coordenação do enólogo Diogo Lopes, entre os quais o mais recente lançamento da casa, o primeiro biológico do catálogo, o Freixo Element Syrah Tinto 2022. Pelos 35 hectares de vinha, parte dos extensos 300 hectares da herdade, aposta-se em castas tintas como Touriga Nacional, Cabernet Sauvignon, Alicante Bouschet, Syrah, Petite Syrah e Petite Verdot, e em brancas como Arinto, Alvarinho, Chardonnay, Riesling e Sauvignon Blanc.
O resultado prova-se nas duas salas de provas, ligadas por um pátio – uma das quais serve também de garrafeira -, mas a visita passa por outros espaços como a enoteca que reúne o arquivo da adega ou a sala de estágio, onde cabem 200 barricas. Refeições (sob reserva prévia) e piqueniques na vinha são outras atividades do enoturismo, equipada para receber visitantes com mobilidade reduzida.
Ainda no Redondo, o passeio não fica por aqui. A vontade de caminhar leva-nos até aos Passadiços da Serra d'Ossa, inaugurados há quatro anos pela autarquia e parte de um percurso pedonal e serrano que totaliza 1,7 quilómetros de extensão. O trilho tem duas entradas, ligando a Aldeia da Serra (a mais baixa) e a Ermida de Nossa Senhora do Monte da Virgem (a mais elevada), passando pelo interior de um vale. A caminhada faz-se de vários cenários, seja paralela a uma ribeira, ou junto a castanheiros e oliveiras centenários, laranjeiras e nespereiras, hortas. Entre as aves mais comuns por aqui, é possível ouvir o chilrear de chapins, piscos, pardais, papa-figos, pica-paus, alvéolas e tentilhões.
A mais antiga adega cooperativa no Alentejo
Foi fundada em 1955, o que significa que este ano está a celebrar sete décadas de vida, tornando-a na mais antiga adega cooperativa do Alentejo em funcionamento, e uma das mais antigas no país. Os números da Adega de Borba mostram a dimensão do seu percurso e o papel que tem desenvolvido no Alentejo, região que soma três mil anos de raízes vínicas: tem 230 viticultores associados, mais de dois mil hectares de vinha – refrescada por uma altitude média de 400 metros -, e a produção soma 12 milhões de litros por ano, com colheitas elegantes dotadas pelo cenário serrano.
Adega de Borba – onde se incluem os reservas Rótulo de Cortiça, o vinho mais icónico da casa, produzido desde 1964 -, Quintas de Borba, Talhas de Borba, Montes Claros e Senses são algumas das gamas da adega cooperativa, a primeira no Alentejo a ter um selo de produção sustentável. A aposta crescente na energia solar e a redução do consumo de água são duas medidas que para tal têm contribuído.
Com coordenação do enólogo Óscar Gato, produzem-se tintos, brancos, rosés, espumantes e licorosos, com castas como as brancas Arinto, Fernão Pires, Antão Vaz, Roupeiro e Rabo de Ovelha e tintas como Aragonez, Alicante Bouschet, Castelão, Syrah, Trincadeira, Touriga Franca e Nacional. As visitas à adega passam por dois edifícios – o mais antigo e a “Adega Nova”, criada há década e meia -, para conhecer de perto todo processo de vinificação e juntam-se à festa as habituais provas vínicas.
Além da passagem pela loja, que reúne centenas de referências, é imperativo passar pelo restaurante homónimo, sinónimo de casa cheia, gerido atualmente pela família Espiga, responsável durante muitos anos pelo já extinto restaurante Espiga, um clássico no centro de Borba. Uma paixão que já vai na segunda geração familiar, iniciada primeiro pelo casal Joaquim e Isaura, aos quais se juntaram depois os dois filhos, João e Nuno. A cozinha tradicional alentejana é a mestre de cerimónias, em pratos como a açorda de fraca; a açorda à alentejana (com bacalhau, corvina ou garoupa); a sopa de cação; a alhada de cação; a sopa com galo do campo; a caldeirada de cabrito; o ensopado de borrego; o cabrito ou borrego assado no forno; a feijoada de lebre com couves; os pezinhos de coentrada; o bacalhau na telha; ou a tábua mista de porco preto. Doses generosas ajudam a compor estas mesas felizes, com a companhia, claro está, dos vinhos da Adega de Borba.
Recarregar energias em Estremoz
Naquela que é a cidade branca do Alentejo por excelência - título dado pela cor do seu casario, mas também pelas jazidas de onde se extrai o seu famoso mármore -, a Mercearia Gadanha mantém-se como mesa obrigatória por estes lados, muitos já o saberão. O projeto da chef Michele Marques e do empresário Mário Vieira nasceu há 16 anos como mercearia – faceta que ainda hoje preserva, com produtos da região como enchidos, queijos, mel, azeite, compotas, sal ou escabeches enfrascados - e há 12 passou também a ser restaurante. O produto local e de estação alimenta a carta do restaurante, recomendado pelo Guia Michelin desde 2016.
Nas entradas, entram em cena croquetes de borrego com maionese de alho assado; pastéis de massa tenra com recheio de cação; pernas e peitos de codorniz fritos em azeite e aromáticas; ovos mexidos com presunto e espargos verdes; ou terrina de pezinhos de porco com molho de coentrada. Nos principais, destaque para o mil-folhas de bacalhau e presunto, com ovo a baixa temperatura; o peixe do dia com açorda de coentros; o polvo assado com puré de feijão e chouriço; ou a presa de porco preto com molho de berbigão e migas de coentros. Para harmonizar, uma garrafeira extensa com cerca de 200 rótulos, todos alentejanos, e cerca de metade só de produções de Estremoz. O mil-folhas de chocolate e as texturas de maça e poejo, com gelado de leite de ovelha, ajudam a fechar a visita ao restaurante, que tem presença firme no mapa alentejano.
Sem sair do centro de Estremoz, uma curta caminhada leva-nos à Casa do Gadanha, dos mesmos proprietários. Trata-se de uma casa de campo dentro da cidade, nascida há três anos num edifício centenário de quatro pisos, destino ideal para desacelerar. Tem 12 quartos duplos, com varandins onde não faltam canteiros de ervas e plantas, dominados pelos tons neutros, as madeiras claras e outros materiais como o mármore local. “Tanto nada para fazer”, lê-se no quadro de um dos quartos, e ainda bem que assim é.
Além disso, a Casa do Gadanha tem também um pátio resguardado, uma sala comum com lareira, bar e terraço panorâmico onde é possível beber um copo, de olhos postos na cidade. O piso térreo leva-nos à sala dos pequenos-almoços e ao restaurante homónimo, recomendado pelo Guia Michelin há dois anos. O forno a lenha ajuda a conduzir a cozinha do chef Ruben Trindade Santos, marido de Michele Marques, mas não se esgota neste. Croquetes de pato; tártaro de atum-rabilho com ostra e alga kombu; arroz de peixe selvagem com chimichurri de algas e emulsão de gamba; paleta de cordeiro de leite com batata assada e arroz de forno; aba de vaca maturada com legumes assados; e peito de pato com laranja e arroz tostado são propostas da carta, mas a experiência também se pode fazer com menus de degustação.
Paixão vínica com 13 gerações
Às portas de Estremoz, a Herdade das Servas testemunha uma paixão pela vinha que atravessa já 13 gerações da família Serrano Mira, desde sempre ligada à agricultura e ao mundo rural. Tudo começou em 1667, com as duas talhas que receberam as primeiras produções – as mesmas que ainda se encontram na herdade, que soma 350 hectares de vinha, tanto aqui como no concelho de Borba, entre a Serra d’Ossa e a de São Mamede, a uma altitude média de 300 metros. Além disso, são também donos da Casa da Tapada, na região dos Vinhos Verdes, em Amares.
A sul, o resultado são vinhos frescos e elegantes, entre brancos, tintos, rosés e espumantes, com o selo Herdade das Servas e Monte das Servas, tendo o primeiro rótulo chegado ao mercado em 1998. Trincadeira, Alicante Bouschet, Aragonez, Touriga Nacional e Arinto são algumas das principais castas, mas também se aposta noutras menos óbvias neste terroir, como o Alvarinho, Carignan e Sangiovese. Transversal à produção é a agricultura regenerativa, que dotou a vinha com maior autodefesa, e parte da vinha já é biológica. “Temos uvas muito saudáveis, isso reflete-se muito nos vinhos”, explica Alexandre Abel, enólogo residente das Servas, que tem Renato Neves como responsável pela enologia.
As visitas à adega mostram o processo de produção e dão conta das características do solo, à base de xisto e calcário. Além das provas – com e sem petiscos, o enoturismo faz atividades como pisa a pé nos lagares em mármore e passeios a cavalo. Importante é passar pelo Legacy Winery Restaurant, que este ano integrou a lista de recomendações do Guia Michelin. À mesa chegam croquetes de javali; bochechas de novilho com tubérculos e puré de aipo; cabrito de leite com batatinha e bimi; açorda de carabineiro; arroz cremoso de javali com queijo de Nisa, cogumelos e redução de vinho tinto; ou peito de pato com migas de miúdos e molho de citrinos. Ao comando do leme está o chef Emanuel Rodriguez, natural de Buenos Aires e a viver em Portugal há mais de uma década. Tem 23 anos de cozinha, já passou pelo Grupo Avillez e pelo Penha Longa Resort, e não esconde o que mais o fascina no receituário alentejano: “Com produtos tão simples, fazem-se coisas tão saborosas”, diz. Simples como isso.
Land Of Alandroal
Herdade das Parreiras, Alandroal
Tel.: 266785777
Web: landofalandroal.pt
Preço: suites duplas desde 190 euros, com pequeno-almoço.
Casa do Gadanha
Rua Vasco da Gama, 4, Estremoz
Tel.: 268249790
Web: casadogadanha.pt
Preço: quartos duplos desde 130 euros, com pequeno-almoço.
Restaurante Casa do Gadanha: das 12h30 às 15h e das 19h30 às 22h30. Encerra quarta e quinta. Preço: pratos desde 16 euros; menus de degustação desde 65 euros.
Mercearia Gadanha
Largo Dragões de Olivença, 84, Estremoz
Tel.: 268333262
Web: merceariagadanha.pt
Das 12h30 às 15h e das 19h30 às 22h30. Encerra domingo ao jantar, segunda e terça.
Preço médio: 30 euros
Herdade do Freixo
Aldeia do Freixo, Redondo
Tel.: 266094830
Web: herdadedofreixo.com
Visitas e provas às 11h e 15h, de segunda a sábado.
Preço: visitas a 15 euros; visitas e provas desde 20 euros.
Adega de Borba
Largo Gago Coutinho e Sacadura Cabral, 25, Borba
Tel.: 268891660
Web: adegadeborba.pt
Preço: visitas e provas desde 7,50 euros.
Restaurante: Das 12h às 17h, de segunda a quinta; e até às 23, sexta e sábado; encerra domingo. Preço médio: 25 a 30 euros.
Herdade das Servas
EN4, Estremoz
Tel.: 268322949
Web: herdadedasservas.com
Preço: visita e prova de vinhos desde 18 euros.
Restaurante Legacy: das 12h30 às 15h30 e das 19h30 às 22h30, segunda a sábado; domingo, até às 16h. Preço: pratos desde 19,50 euros.