Os territórios não são mapas, nem bandeiras. São geografias emocionais que nos surpreendem e por vezes nos fixam onde nem sequer tínhamos planeado ir
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Beirão de nascimento, emigrado há duas décadas em França, Alexandre Dias demorou o olhar no Douro quase por acaso, mas depois dessa descoberta inicial parecia inevitável escrever-se uma história persistente de amor. Foi cruzando parcelas de vinhas velhas, percorrendo com vagar as encostas silenciosas junto ao rio, e sem pressa criou a sua própria manta de retalhos, cosida por intuição.
A paisagem protegida do Douro, procurada avidamente por turistas, está carregada de desequilíbrios. Entre os gigantes de nome feito e os pequenos agricultores que conhecem a vinha como a palma da mão, mas dificilmente se sentem retribuídos, um setor castigado por excesso de stocks e forte concentração na distribuição avança quase aos soluços, numa turbulência que manifestações esporádicas tornam pública. São menos glamourosos os bastidores das adegas do que as fotografias douradas dos socalcos fazem supor.
A dureza nunca foi, ainda assim, um impedimento para o desejo. Os sonhos são por definição falíveis, mas conseguem agarrar-nos ao ponto doloroso de nos tirarem a racionalidade. Flutuamos por causa deles. E é por esvoaçar acima da burocracia e do risco que tentam prendê-lo ao chão, insistente na sua cruzada para apurar e partilhar a alma do território, que Alexandre apostou na Casa da Ressa.
Regionalismo em desuso, ressa define-se como calor ou pedaço de luz. A réstia de sol que passa entre uma latada. A claridade de um Douro a fazer-se casa para quem não tinha ali raiz. E a lembrar-nos que a terra não nos pertence, por muito que gostemos de usar possessivos. Nós é que lhe pertencemos, quando conseguimos ouvir a história e a força que emana dela.
Somos todos diferentes na forma de nos ligarmos à terra. Há quem tenha raízes fundas, duradouras, que a todo o momento reconduzem ao ponto de origem. Há quem se reconstrua em diferentes camadas, deixando-se adotar por novas geografias. E há ainda as pessoas para quem o mundo é pequeno e todo ele possível, ávidas de descoberta e mais entusiastas da permanente novidade do que do conforto dos cheiros e rituais conhecidos. Não estamos necessariamente na mesma categoria a vida inteira. Até porque às vezes precisamos de nos afastar de casa para perceber o quanto dela viaja connosco. É absurdo e inútil haver quem insista em fronteiras e muros, ou quem pretenda que a naturalidade nos defina. Somos feitos de caminho e de movimento. É frequente serem as raízes a darem-nos asas, mas também acontece exatamente o inverso. Os territórios não são mapas, nem bandeiras. São geografias emocionais que nos surpreendem e por vezes nos fixam onde nem sequer tínhamos planeado ir.