Quando os destinos de férias são velhos conhecidos, prestamos atenção a tudo o que mudou e não mudou desde a última visita. E bons hábitos vêm à superfície, como a sesta. É um prazer
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Quando se passam férias no mesmo local durante vários anos, consecutivos ou salpicados, alcança-se um patamar de pequenos prazeres e apreensões a que nunca se chega naquelas viagens exuberantes, todavia tendencialmente únicas, às Maldivas ou a Tóquio. Nessas férias em território familiar, uma porção não negligenciável da nossa atenção é empregue a escrutinar tudo o que mudou, e tudo o que está na mesma, desde a última visita.
A primeira vez que experimentei este fenómeno durou uma pré e uma adolescência inteiras. Foi na década de 1980, ao passar quase todos os verões em Quarteira e notar, com um fascínio bom e mau, que a cada regresso em julho ou agosto, novos quarteirões inteiros haviam sido desenhados junto às praias e novas torres de habitação ganhavam altura. Como era hábito daquele tempo e daquele Algarve litoral, a fronteira entre desenvolvimento e selvajaria urbanística, modernização e pato-bravismo, corria fina, quase impercetível.
Quarenta anos depois, a supracitada selvajaria foi ligeiramente domada, pelo que, a cada chegada a Vila Nova de Milfontes, não há grande receio de se tropeçar em alucinações de cimento pintadas de fresco. O que nos liberta para o que interessa: as minúcias. O mercado municipal não facilita na variedade e na algazarra, mas os preços soam subidos. A Papelaria Almeida, na Rua do Moinho de Vento, continua abastecida da essencial edição de fim de semana do "Financial Times" (papel, sempre). Ali à frente, na Rua António Mantas, acima dos carrinhos de choque sazonais, está a nascer um novo Polo de Saúde - betão bom. Encavalitado nas dunas, com vista de luxo para a Avenida Marginal, para o infinito aquático e para o pôr do sol, o Riverside Pub mantém a equipa sábia na cumplicidade, mantém os hambúrgueres de choco frito e de vaca com caramelizado, mantém a tarte de alfarroba e figo, mantém as cartas de cervejas e cocktails. Este ano, a ilha de areia que se materializa no meio do rio Mira durante a maré baixa, entre as praias da Franquia e das Furnas, anda envergonhada e, quando aparece, tem forma diferente do último verão. O Atlântico, no pedaço da praia das Furnas virado ao mar, está imprevisível, traiçoeiro. As vespas também tiraram férias.
O que tem o título da prosa a ver com tudo isto? Tem tudo. Porque é em momentos assim, em território diferente mas familiar, que nos permitimos que outros ritmos interiores emerjam. E que, sem darmos por isso, sem esforço, sem pensar nas consequências, o arranque da tarde se transforme em tempo de sesta. Devíamos escutar muito mais vezes este relógio interno. Os espanhóis é que a sabem toda.