Ainda que seja inegável a sua beleza idílica, a vila de Taormina, que serviu de cenário a “White Lotus”, esgota-se no seu luxo elitista. Numa viagem recente, achei a restante ilha mais interessante, genuína, complexa, encantadoramente rude até. Bem diferente da que se viu na série galardoada. E ainda bem.
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Em outubro de 2022, a estreia da segunda temporada de “White Lotus” na plataforma de streaming Max – agora de novo rebatizada HBO Max -, trouxe atenções redobradas e milhões de olhos postos na Sicília, o então cenário eleito para a sátira social tornada fenómeno de popularidade, na altura protagonizada por Jennifer Coolidge, Audrey Plaza e companhia. De tal forma que as reservas de viagens para a maior ilha do Mediterrâneo duplicaram em número de 2022 para 2023, revelou a operadora turística Citalia, citava a imprensa internacional na altura. Mais. Um mês depois da estreia, a expressão “férias na Sicília” viu um aumento de 5000% nas pesquisas online, mundo fora.
Como muita gente, sou fã incontestável da série galardoada criada por Mike White, não só pela sua inteligência, argumento de luxo e performances topo de gama, mas principalmente pelo que vai sendo dito sem palavras, nas entrelinhas. Mas não foi isso que me levou a visitar a Sicília recentemente – talvez uma ínfima percentagem, de forma inconsciente. O desejo já lá estava pré-“White Lotus”, apenas precisava do timing certo.
E ainda bem. Porque a Sicília de “White Lotus” existe, sim, mas é apenas uma pequena fatia de um bolo rico em cultura, arqueologia, arquitetura, gastronomia, vinho e natureza, onde cabem cenários de limoeiros, areais idílicos e vulcões. A quase totalidade da série tem como cenário Taormina, talvez a localidade mais luxuosa e “arranjadinha” da ilha, quase como um perfeito postal siciliano. Aliás, o Four Seasons San Domenico Palace, majestoso palácio-hotel onde se passa a trama, chegou a estar esgotado meses a fio, depois das gravações da série. E apesar de concordar que é inegável a sua beleza, achei a restante ilha, com uma personalidade de traços mais genuínos e rudes até, bem mais interessante como viajante.
Menos empoleiradas, mas igualmente estimulantes, os destaques para mim vão para as localidades de Siracusa e Cefàlu, pitorescas e costeiras, terras de gente humilde e trabalhadora, ou para a pequena Trapani, vila de fortes ligações piscatórias e legados árabes, que ainda se notam pelos edifícios. Catânia e Palermo, as duas maiores cidades, têm elementos interessantes, mas gravito sempre em torno dos destinos mais pequenos, como a aldeia de Noto, romântica em todo o seu edificado e tonalidade, ou Agrigento, com o seu parque arqueológico que inclui ruínas de templos gregos, sinalizados pela UNESCO como Património Mundial.
Mas a Sicília é muito mais do que isto, longe dos cenários elitistas que passaram na série. É um estilo de vida que só consigo comparar ao napolitano. É caos na estrada, é falar alto e com aos mãos, são avós que gritam da janela aos netos quando estes tentam entrar em casa, às quatro da manhã. “Maledetto!”, ouvia eu, enquanto acordava do meu sono. É sinónimo também de alguns areais poluídos e de um grave problema de lixo na via pública. É sinónimo de problemas com droga – visíveis à luz do dia. É isto e muito mais. A Sicília faz-se de várias personalidades. Beleza e pobreza em doses iguais. E não seria a Sicília se assim não fosse. Um destino delicioso. Quero voltar. Vou voltar.