Somar tempos de ócio, daqueles em que nos damos ao luxo de apreciar o pôr do sol ou de passar meia hora sentados num jardim, é absolutamente necessário para continuarmos a viver.
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Um dos segredos para fazer bom pão caseiro é não ter pressa. Deixar que a massa repouse e ao seu ritmo duplique o volume, tender o pão e voltar a deixá-lo em espera até estar pronto a entrar no forno, saber que qualquer tentativa de interferir atabalhoadamente no processo vai refletir-se no sabor. É muito mais simples ir à padaria da esquina e em dois minutos escolher o que se quer, mas há um encantamento indizível em conduzir o processo e tirar do forno um pão único pelo simples facto de ser nosso.
Não fui das pessoas que descobriram na pandemia que tinham um padeiro dentro de si. Esses dias já aparentemente distantes em que a covid-19 dominou o mundo foram para mim de paradoxal e angustiante azáfama profissional. O cheiro do pão no forno é um daqueles mapas da memória a que regresso quando preciso de travar a fundo. Entrar em aceleração é fácil. Desacelerar, quando a todo o momento mil estímulos nos convocam e nos inundam com informação, é bastante mais complexo.
Falo de um tempo que não pode ser medido apenas em minutos. Claro que todos sabemos que trabalhamos muitas horas, que existe o trânsito, os compromissos quando temos filhos, um sem fim de eventos que se multiplicam à nossa volta, sugestões para os fins de semana, minuciosos programas que impomos a nós mesmos até em tempos de ócio. Nem sempre há momentos de pausa, mas adicionalmente há o vício da tecnologia a aterrar-nos em cheio no que deveria ser descanso e contemplação.
Não há concerto em que a plateia não se encha de telemóveis em riste, o fogo de artifício do São João é visto através de minúsculas telas, as mesas dos restaurantes raramente estão isentas de aparelhos, sentamo-nos no sofá e é quase imediato o apelo para deslizarmos o dedo e mergulharmos nas imagens que o ecrã nos oferece. Vivemos obsessivamente ligados, ainda que cada vez mais desconectados da natureza e uns dos outros.
Somar tempos de ócio, daqueles em que nos damos ao luxo de apreciar o pôr do sol ou de passar meia hora sentados num jardim sem pensar em absolutamente nada e sem nos passar sequer pela cabeça a ideia de tirar uma fotografia – porque estamos demasiado ocupados a viver para que interesse registar a vida –, é absolutamente necessário para que as baterias sigam em carga máxima e a cabeça possa funcionar.
Ter tempo, daquele que pode ser quantitativamente pouco mas imenso na capacidade que nos dá de rasgar um momento único num contínuo de repetições, é um luxo admirável. Por vezes já estamos incapazes de o aceitar e desperdiçamos oportunidades incríveis de não fazer nada. Ou de fazer coisas que nos obrigam à criatividade, à espera e ao caminho necessário para se chegar a um resultado. Sem atalhos. E sem outro mapa que não o de acreditarmos que todas as respostas estão dentro de nós.