Uma escapadela até ao Balneario de Mondariz é uma oportunidade para fugir da correria citadina. Já José Saramago sublinhava os laços que ligam as almas dos dois lados da fronteira.
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Imaginemos umas termas de dimensão respeitável onde circulou uma moeda própria, o peinador, com direito a um jornal feito propositadamente para os ilustres hóspedes. O espaço turístico chegou a ser um município autónomo e atraía gente de todo o Mundo, sobretudo nobres, membros de famílias reais, figuras maiores da cultura e multimilionários. Pura ficção? Não. É, realmente, algo de muito galego. Chama-se Balneario de Mondariz. Nasceu em 1873 e ainda tem portas abertas. Fica a cerca de duas horas de carro do Porto e a 4.30 horas de Lisboa, mas vale a pena para quem procura tranquilidade e alheamento completo do ritmo frenético das cidades. E fica aqui tão perto. Não é preciso irmos até aos antípodas para encontrarmos o nosso paraíso na Terra.
"Nós, portugueses, não podemos ignorar a Galiza. Faz parte da nossa história e da nossa alma", disse um dia José Saramago, o nosso único Nobel da Literatura. E, de facto, quando chegamos a Pontevedra para relaxar no Balneario, sentimo-nos um pouco em casa. A probabilidade de encontramos portugueses é elevada, eventualidade que nos retira a carga emocional de sermos uns estrangeiros isolados na terra de "nuestros hermanos". Há quem prefira pagar a dormida, mas muitos optam só pelo gozo puro das piscinas de água quente, dentro do famoso Palácio da Água, edifício que tem comunicação, por baixo da rua principal, com o próprio hotel.
A partir do interior do Palácio da Água, composto pelas piscinas curvilíneas e plenas de recantos borbulhantes, podemos subir umas escadinhas e contactar com um pátio exterior onde encontramos uma pequena piscina, com menos de um metro de profundidade. Aí, sentamo-nos para que corpo fique submerso numa água termal claramente acima dos 40ºC. Não podemos permanecer ali por muito tempo sem que o chuveiro, a poucos metros de distância, chame por nós para um delicioso arrefecimento que, logo a seguir, convida a novo aquecimento. Um jogo de sensações muito nórdico. Quem é avesso às águas frias do mar no Norte português encontra ali um aconchego impagável. Virando a cabeça para cima, percebemos que o céu é o limite quando o relaxamento é o nosso objetivo, primeiro e último. Claro que não faltam banhos turcos, saunas finlandesas, entre outras diversões, que constituem um sem fim de tentações.
Do outro lado da rua, avistamos o Gran Hotel, que no passado tinha uma casa de câmbio onde os hóspedes podiam comprar os famosos peinadores, moeda que era aceite não apenas em todo o complexo, mas também em lojas e estabelecimentos de Pontevedra e Vigo. Atualmente, o Gran Hotel não faz parte do complexo termal, sendo um conjunto de apartamentos, alguns dos quais aproveitados como alojamento local. A construção do imponente Gran Hotel só ocorreu em 1898, para acomodar luxuosamente clientes com poder de compra acima de média. Enrique Peinador, o fundador das termas, dificilmente imaginaria em 1873 a dimensão que o empreendimento viria a atingir. A euforia já era tanta que chegou a existir o projeto de um ligação direta de comboio elétrico entre Mondariz e o porto de Vigo, onde navios carregados de hóspedes endinheirados descarregavam as suas malas para passar uma temporada a beber a água milagrosa local e a curar maleitas de vária ordem.