A pretexto do Dia Mundial dos Oceanos, sentamo-nos à mesa do restaurante Oxalis, para um périplo pelos sabores madeirenses do mar e da terra, relembrando a importância de preservar os recursos naturais. E aproveitamos para dar um mergulho na natureza, entre jardins exuberantes e florestas indígenas.
Corpo do artigo
A costa portuguesa consola-nos com pescado de gabarito, que faz as mais deliciosas iguarias da nossa gastronomia. Mas por mais rico que seja o mar, a exploração desmedida dos seus recursos será sempre uma ameaça a tudo o que ele sustenta. E o impacte ambiental também traz consequências para o nosso dia-a-dia. A perda de biodiversidade marinha significa que poderemos deixar de ter os peixes de que mais gostamos à nossa mesa. Imaginemos, por exemplo, um São João sem sardinha. Ou um Natal sem bacalhau. Cenários impensáveis, mas que só o consumo moderado poderá evitar. Essa é a chave para um futuro sustentável.
Foi a pensar nesse futuro que a Relais & Châteaux se comprometeu a contribuir para a regeneração e desenvolvimento dos ecossistemas marinhos, apelando a que os seus membros - 580 hotéis e restaurantes em todo o mundo - implementem boas práticas. Nomeadamente, escolher pescado com níveis saudáveis de stock, retirar espécies ameaçadas dos seus menus e sensibilizar para a pesca sustentável.
Para ajudar neste processo, os hoteis e restaurantes da associação contam desde 2009 com o apoio da Ethic Ocean, uma ONG dedicada à preservação dos recursos piscatórios, que atua em toda a cadeia da indústria pesqueira, com vista ao desenvolvimento de um mercado sustentável, tanto a nível ambiental como económico e social, e que aconselha os chefs a fazerem escolhas mais conscientes para os seus menus. Segundo esta organização, 35,4% dos recursos marinhos são sobre-explorados, um valor que enaltece a emergência de travar a pesca excessiva.
Ainda não é a sardinha, nem o bacalhau, mas este ano a Ethic Ocean apelou a todos os membros da associação hoteleira que retirassem a enguia das suas propostas gastronómicas. Devido à sua elevada procura, a espécie é alvo de pesca ilegal e contrabando, e as suas populações estão criticamente ameaçadas, sendo essencial que o seu consumo seja interrompido até o stock estar recuperado. “Eu adoro enguia, mas foi uma decisão óbvia, quando vi a campanha. Temos de cuidar do que comemos”, comenta o chef Gonçalo Bota, desde logo resoluto na retirada da enguia da carta do seu OXALIS. No Dia Mundial dos Oceanos, 8 de junho, o restaurante de fine dining da Casa Velha do Palheiro - único membro da Relais & Chateaux na Madeira -, reforça o empenho em contribuir para a proteção do oceano que o rodeia com um evento gastronómico que “homenageia a riqueza e a generosidade do mar”.
A carta do Oxalis, recentemente renovado e integrado na lista de restaurantes recomendados do Guia Michelin, é já uma ode ao produto local e sazonal, com expressão maioritária do mar. Mas para este dia Gonçalo preparou um menu exclusivamente piscícola focado na gestão responsável dos recursos.
No desfile de pratos, que inclui alguns clássicos do restaurante e um par de novidades criadas especialmente para a ocasião, começa, sobretudo, com leveza e frescura. É exemplo a truta curada - produzida em viveiro no Ribeiro Frio, na zona norte da ilha -, servida com tamarilho cultivado na horta do hotel, e gelado de funcho. Um prato delicado, seguido por uma composição de atum bonito e melancia, molho de pimento vermelho assado e beurre blanc do mesmo, que deixa a desejar sempre mais uma garfada. Em crescendo, os momentos principais terminam com o peixe carneiro - um favorito do chef, confidencia-nos numa visita ao Mercado dos Lavradores -, carnudo e denso, que não se deixa ofuscar pelas migas de tomate que o acompanham, e que evocam a infância do chef Gonçalo, passada no Alentejo.
O périplo chega ao fim com uma sobremesa também ela marítima, inspirada nas praias da ilha, e que traz à boca salinidade, frescura e surpresa. Como um último mergulho no mar.
Lançar a linha e esperar
Não raras vezes, há hóspedes da Casa Velha do Palheiro que alugam barcos de pesca e trazem o que apanham para a cozinha do Oxalis. Mas nem sempre o mar é generoso, e por vezes o passeio é por si só o troféu. O DREAM ON, do capitão Nuno Gouveia, é uma das embarcações que sai do cais do Funchal em viagens de meio dia ou dia inteiro. As linhas são lançadas ao mar e enquanto se espera pela sorte, contempla-se o postal da Ponta de São Lourenço e a silhueta das ilhas desertas.
Um jardim encantado
A ocasião pede um brinde, e o Verdelho 10 anos da Blandy’s, de acidez vibrante, mostra-se à altura da homenagem aos produtos de excelência da Madeira. Além de ser uma referência na história dos vinhos generosos da ilha, a família Blandy é também a proprietária do Palheiro Nature Estate, um terreno de 100 hectares onde está inserido o hotel CASA VELHA DO PALHEIRO, os seus campos de golfe, belíssimos jardins e manchas florestais. Quem aqui fica estará sempre rodeado pela natureza.
O edifício principal, onde está o restaurante, a biblioteca e algumas das suítes, foi construído no início do século XIX, como pavilhão de caça para o Conde de Carvalhal, tendo sido adaptado com charme, elegância e conforto para a hospitalidade em 1997.
Atravessando o corredor que atravessa a mansão, com o soalho a ranger sob os pés, para lá da porta emoldurada por uma trepadeira - a imagem de postal do hotel - abre-se um relvado soalheiro onde são servidos os pequenos almoços e o chá das cinco no verão. Abaixo, há um pavilhão onde habitualmente acontecem sessões de ioga, e a horta do Oxalis - o nome do restaurante é inspirado na flor cor-de-rosa que cresce neste relvado durante a primavera -, onde o chef Gonçalo se abastece de ervas aromáticas e alguns vegetais. Todas as terças-feiras faz uma visita com os hóspedes à horta, partilhando os princípios de proximidade e sustentabilidade que aplica na sua cozinha (o que implica por vezes ceder as suas colheitas ao pombo-trocaz, endémico da ilha, e presença habitual na horta).
À direita do relvado, desdobra-se o circuito de golfe e alguns percursos pedestres, para caminhar entre as colinas verdes. Daqui por alguns anos, irá erguer-se num desses recantos entre green e floresta um labirinto de ciprestes: o hotel acaba de plantar 800 árvores, como forma de minimizar ainda mais o impacto ambiental da sua operação.
Do outro lado da propriedade estão os Palheiro Gardens - abertos a visitas e de acesso livre para os hóspedes da Casa Velha -, jardins exuberantes recortados em alamedas, clareiras e lagos, que albergam mais de 700 espécies de plantas de todo o mundo. O perfume do jasmim dá-nos as boas-vindas mal passamos o portão. Daí em diante, todo o passeio é contemplação. A paleta de verdes ao nível das árvores, ganha novas cores à medida que baixamos o olhar. Há cinerárias brancas, roxas e azuis, papoilas amarelas e cor de laranja, gerânios-da-madeira cor de rosa, gladíolos, margaridas e crisântemos de várias cores. Ao centro do jardim está a capela de São João, que muitos noivos escolhem para oficializar o seu casamento. E daí, uma avenida leva-nos ao Jardim da Senhora, onde a exuberância ganha novas dimensões. Muito mais denso e colorido, lembra um lugar saído de um conto de fantasia. As abelhas, atarefadas, pousam de flor em flor; os pássaros cantam na canópia das árvores ou passam em voos rasantes por entre os arbustos; e naquele banco de jardim, com o sol a aquecer-nos a pele, o tempo parece andar mais devagar.
O que a terra dá, quando a terra dá
A grande maioria das frutas e legumes utilizados na cozinha do Oxalis são produzidos pela QUINTA PEDAGÓGICA DA CAMACHA, um projeto de agricultura biológica e educação ambiental, a poucos quilómetros do Funchal. A seleção é feita pelo agricultor Bruno Santos, sob única indicação do chef para lhe levar o melhor que tiver nesse dia. “Com estes bons produtos ele cria pratos lindos”, declara Bruno, enquanto nos dá para a mão um punhado de ervas aromáticas, para que lhe sintamos o aroma intenso. Servirão mais tarde para alimentarmos os porquinhos da Índia que resgatou do abandono e que juntamente com os coelhos e as galinhas que também vivem na quinta contribuem com estrume para adubar o solo.
Economista de formação, Bruno sempre teve a agricultura como hobby, mas durante a pandemia sentiu que estava na hora de mudar de vida. “Queria honrar o meu avô com este projeto. Ele ensinou-me muita coisa de agricultura. Muito do conhecimento que aplico aqui veio dos antigos, do que eles me transmitiram”, diz. Essa sabedoria e o contacto com o mundo rural é também o que quer passar às novas gerações, nas visitas escolares que recebe, e nas atividades que dinamiza e em que procura juntar crianças e seniores em jogos tradicionais e momentos de partilha.
O objetivo é sensibilizar quem ali vai para o consumo de produtos locais e sustentáveis, produzidos ao tempo da natureza e colhidos consoante a necessidade, na sua época. “Temos que mudar o que comemos, como comemos, para minimizar a nossa pegada”, alerta. Por isso, associou-se a mais 40 pequenos agricultores da região, que contribuem com as suas culturas para os cabazes que Bruno distribui. As anonas vêm da quinta do Jacques, as curgetes são cultivadas pelo Tiago, e as laranjas crescem no pomar do Marco.
No final da visita, o anfitrião oferece um infusão feita com as ervas da quinta e uma fatia de bolo da família, feito com nozes e especiarias, e que se chama assim por estar presente na maior parte das reuniões familiares em todas as casas madeirenses. Esta não é exceção, e quem ali chega é sempre recebido como parte da família.
Banho de natureza
No Parque Florestal do Ribeiro Frio, na costa norte, junto ao posto aquícola onde crescem as trutas arco-íris que provamos à mesa do Oxalis, começa um dos percursos pedestres mais populares (e também o mais acessível) da Madeira, a VEREDA DOS BALCÕES (PR11). O caminho está inserido na verdejante floresta laurissilva, um dos maiores tesouros naturais da ilha, composta principalmente por árvores e arbustos de folhagem persistente, como o loureiro. Classificada como Património Mundial pela Unesco, em 1999, é a maior e mais bem conservada área deste tipo de floresta no planeta.
É com esta envolvência que seguimos, acompanhando a levada da Serra do Faial, até ao miradouro dos Balcões, que abre uma panorâmica sobre o vale da Ribeira da Metade e da freguesia do Faial, emoldurado pela imponente cordilheira central da ilha - em dias de céu limpo avistam-se as duas maiores elevações da ilha, o Pico Ruivo e o Pico do Areeiro -, coberta por um manto verde. O quadro é a última recompensa, mas todo o caminho é prazeroso, e pode até ser agraciado com avistamentos do irrequieto bis-bis, endémico da Madeira, e do destemido tentilhão. A natureza é bela. Cabe-nos garantir que também as gerações vindouras a poderão contemplar.
Oxalis
Rua da Estalagem, 23, Funchal
Web: casa-velha.com
Tel.: 291 790 350
Todos os dias das 19h às 22h30.
Menu de três momentos: 55 euros
Jantar Dia Mundial dos Oceanos (8 de junho): 160 euros
Casa Velha do Palheiro
Rua da Estalagem, 23, São Gonçalo, Funchal
Web: casa-velha.com
Tel.: 291 790 350
Quartos a partir de 247 euros por noite (com pequeno-almoço)
Quinta Pedagógica da Camacha
Rua da Nogueira, 24-A, Santa Cruz
Tel.: 916 624 732
Visitas por marcação: 3 euros por pessoa