Num jantar com dupla função - mostrar os vinhos da Quinta de Santiago e apresentar Rita Magro como chef do Atrevo - o Alvarinho foi rei à mesa, mas a surpresa da noite foi um tinto Alvarelhão. No prato, brilhou o talento da mulher que o ano passado conseguiu com Vítor Matos uma Estrela Michelin para o Blind.
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No primeiro jantar vínico do portuense Atrevo, que tem agora Rita Magro nas rédeas da cozinha, deu-se a união feliz entre talentos e paixões. A chef preparou uma degustação de seis momentos, pensada para seis vinhos da Quinta de Santiago, da região dos Vinhos Verdes. Estes foram apresentados pela entusiasta produtora Joana Quintas e pelo versátil enólogo Nuno Mira do Ó.
O projeto de Monção, que junta gerações da família Quintas, começou em 2010, mas as raízes são mais antigas. Joana, que cresceu e viveu fora da região, em Espinho, conta que muitas vezes ajudava a avó na quinta da família. Já com 86 anos, a avó Mariazinha cansou-se de ir visitar a neta advogada à costa e acompanhá-la para o escritório ou o tribunal. "Ela queria que a família estivesse mais perto e desafiou-me e ao meu pai a criar uma marca própria." Este era já um sonho de juventude do seu pai José, e Joana viu este desafio como um "hobby". Mas o passatempo foi-se tornando coisa séria e em 2014 rendeu-se. "Estava tão empenhada, tinha descoberto finalmente a minha vocação, o que realmente gostava de fazer." Deixou a advocacia no mesmo ano em que lançou para o mercado o primeiro vinho, feito com o apoio do enólogo da terra, José Domingues.
"Eu sabia o que ela [a avó] me tinha ensinado a fazer na adega. Mas tinha ainda de aprender e fui buscar um enólogo de Monção. Queria alguém que conhecesse bem o território e a casta [Alvarinho]. Entramos no mercado com um Alvarinho estagiado em barricas, como a minha avó fazia. Rapidamente, percebemos que o mercado não estava preparado para uma referência da região dos Verdes feita em madeira. Era pouco comum na altura. Foi então que criámos o Quinta de Santiago clássico, que fermenta e estagia em inox."
Decidiram depois fazer um espumante e durante a pandemia da Covid 19, Joana criou novas referências. Já sem o enólogo inicial e ainda sem o Nuno Mira do Ó, que só mais tarde entrará como diretor de enologia, fez os vinhos sozinha. Da parcela de Alvarinho mais antiga da quinta produziu o Chapim. Além de ser a mais antiga, é diferente das restantes: "Tem mais granito e seixo rolado (o resto da quinta é de solo argiloso), e ali cresce muita hortelã-menta, que não existe em mais nenhuma parcela." Daqui saiu um Alvarinho mais mineral e salino.
Apesar de Nuno não ser ainda o enólogo da casa, a parceria já tinha começado com o Sou, em 2018, que surgiu como uma provocação. "Tradicionalmente, os Alvarinhos de Monção eram muito alcoólicos. Aí, o Nuno provocou-me para fazer de forma diferente, vindimar mais cedo. Não me sentia segura e o enólogo que eu tinha na altura nunca se atreveria a fazê-lo. Disse-lhe, então, que fazia esse vinho, mas ele tinha de vir fazê-lo comigo. Ele já estava com os copos e disse que sim" [risos].
A ideia do Sou, que se tornou numa gama própria, é "experimentar" e explorar o terroir. Tal como todos os outros vinhos da quinta, a fermentação é espontânea, ou seja, feita com as leveduras indígenas da vinha. Este faz também fermentação malolática em madeira. "O objetivo não é ser um vinho que cheire a madeira. O principal é que seja um Alvarinho que saiba mais ao sítio e menos à casta: granítico, ligeiramente atlântico, com componentes quentes e frias, tal como é Monção", diz Nuno, para quem "foi fácil desconstruir" o que se fazia na região: "Eu não sou de lá e não tinha nada disso na bagagem. Senti-me liberto para criar uma coisa nova."
Na mesma linha foi produzido o tinto Sou Alvarelhão. Joana: "Se para o Sou branco foi o Nuno que me provocou, para o tinto fui eu que provoquei o Nuno. A nossa ideia foi ir às raízes da região." Há registos do século XV de exportação de tintos para Inglaterra, por isso, "é uma homenagem ao passado vitivinícola". Ao mesmo tempo, queriam mostrar que é possível ali "fazer tintos muito bons, de perfil elegante". Plantaram em 2022 e mudaram a viticultura para encurtar o ciclo de maturação das uvas. "Conseguimos uma uva muito mais sã, rica, com mais açúcar", conta Joana Quintas.
Outra das gamas da Quinta de Santiago é o Rascunho. "Esse é feito 100% pela Joana", esclarece Nuno Mira do Ó. "Ela tem uma intuição muito apurada na adega e na vinha, além de uma veia experimentalista." Nesta gama, todos os anos se lança um vinho com um conceito diferente.
Este ano saiu um Alvarinho composto por cinco colheitas, de 2018 a 2022 (feito através do sistema de solera). "No Rascunho, a ideia é expressar experiências de vinificação de adega, o que acaba por ser muito egocêntrico, mas é uma aprendizagem para mim que depois partilho com o mercado", concretiza Joana. Das experiências dos anos anteriores, sublinhe-se uma colheita tardia "que mais parecia um oloroso do Jerez", comenta Nuno. Um vinho de sobremesa, seco, que provavelmente não se irá repetir. Foi precisamente esse que fechou a refeição e a noite.
Quinta de Santiago
Rua D. Fernando, 128, Cortes, Monção
Tel.: 917 557 883
Web: quintadesantiago.pt
Atrevo
Rua Morgado de Mateus, 51, Porto
Tel.: 934 214 652
Web: instagram.com/atrevorestaurante
Das 19h às 22h30, de terça a sexta; das 12h30 às 15h e das 19h às 22h, ao sábado