A homenagem de Júlio Isidro: "A Maria Guinot não desperdiçava as palavras em ideias vazias"
O apresentador Júlio Isidro homenageou a cantora, pianista e compositora Maria Guinot, falecida, no sábado, aos 73 anos. Num texto publicado no Facebook, o rosto histórico da RTP evocou a memória da "cantora que foi sempre amadora na arte de amar a música".
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Com "cada vez menos gente" do seu tempo, Júlio Isidro ouviu "mais um silêncio" com a morte de Maria Guinot. Para o apresentador, a artista era "um exemplo de talento ao serviço de ideais de um mundo mais rico de sentimentos e valores", "amava a música e fazia das palavras uma forma de amor coletivo".
No Facebook, o comunicador recorda também o "prazer" que sentiu quando a apresentou no "único Festival da Rádio Comercial para cantar 'Falar só por falar'". Maria Guinot era a antítese do título desta canção, defende o profissional da televisão pública: "A Maria não cantava só por cantar e não vivia só por viver. A Maria não desperdiçava as palavras em ideias vazias ou versos de rima inútil".
Júlio Isidro lembra ainda a passagem da cantora, pianista e compositora pelo Festival RTP da Canção para interpretar "Silêncio e tanta gente", tema que a levou à vitória e ao Luxemburgo para representar Portugal na Eurovisão. Mas, naquela noite de 1984, Guinot "ganhou duas vezes": "com a canção (...) e com o seu gesto solidário para com os músicos em greve, acompanhando-se só ao piano."
O rosto emblemático da RTP elogia, por isso, a mulher de convicções fortes que era Maria Guinot. "Que dizer de alguém que escreve e canta uma 'Homenagem às mães da Praça de Maio', as mulheres que saíram à rua para exigirem saber dos filhos desaparecidos nos anos de terror da Argentina? Como aplaudir a canção 'Esta palavra mulher' quando assumiu a crítica a bancos que excluíam mulheres (...)?".
Maria Guinot morreu no sábado. Estava afastada da música desde 2010, devido aos três AVC que sofrera. O seu último trabalho discográfico, "Tudo Passa", tinha sido editado seis anos antes. No entanto, lembra Júlio, já antes a cantora dizia "que só faria os espetáculos onde se sentisse feliz a cantar o que gostava de cantar".
A sua voz calou-se aos 73 anos. O velório da mulher que "não ganhou a fama e não se deixou embalar pela popularidade que dá frutos a curto prazo", como refere o apresentador, realiza-se este domingo, a partir das 16 horas, na Igreja da Parede. O corpo segue, na manhã seguinte, para o cemitério de Barcarena, onde vai ser cremado.
Leia, na íntegra, o texto de Júlio Isidro:
"MAIS UM SILÊNCIO....
... e cada vez menos gente do meu tempo.
Agora, a Maria Guinot, um exemplo de talento ao serviço de ideais de um mundo mais rico de sentimentos e valores.
A Maria amava a música e fazia das palavras uma forma de amor coletivo.
A cantora que foi sempre amadora na arte de amar a música entrou em casa de todos nós em 81 quando o festival era a grande sala do nosso convívio. Cantou 'Um adeus e um recomeço', título que antecipava o começo da sua relação connosco.
Que prazer tive quando a apresentei no único Festival da Rádio Comercial para cantar 'Falar só por falar'.
A Maria não cantava só por cantar e não vivia só por viver. A Maria não desperdiçava as palavras em ideias vazias ou versos de rima inútil.
Em 1984, foi protagonista de um Festival em que ganhou duas vezes: com a canção 'Silêncio e tanta gente' e com o seu gesto solidário para com os músicos em greve, acompanhando-se só ao piano.
A Maria Guinot passou por vários programas meus e, se lá foi, era porque não desgostava do que eu fazia em televisão e creio que até gostava de mim.
Se assim não fosse, a sua coerência bastava para me dizer... não.
Que dizer de alguém que escreve e canta uma 'Homenagem às mães da Praça de Maio', as mulheres que saíram à rua para exigirem saber dos filhos desaparecidos nos anos de terror da Argentina?
Como aplaudir a canção 'Esta palavra mulher' quando assumiu a crítica a bancos que excluíam mulheres, a também sua luta pela dignificação da cultura?
Lembro-me de a ouvir dizer que só faria os espetáculos onde se sentisse feliz a cantar o que gostava de cantar.
Maria Guinot não ganhou a fama e não se deixou embalar pela popularidade que dá frutos a curto prazo.
Ganhou o nosso, o meu, reconhecimento por aqui que nos deu em dignidade e respeito.
A cantar também se pode e deve revelar o nosso amor pela gente que nos rodeia. Mesmo que em silêncio.
Recordo a sua canção 'Tudo passa'. Quase tudo, querida Maria, menos a memória de uma artista, que começou com um adeus e que parte com um recomeço.
Um abraço e um beijinho, Maria Guinot."