A esquistossomose, uma infeção parasitária crónica, que provoca febres altas e pode ser fatal, levou os investigadores a encontrarem métodos de deteção melhorados e uma vacina.
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Há muito que uma doença causada por vermes parasitas destrói a vida de milhões de pessoas em países tropicais e subtropicais, incluindo no Burkina Faso e em Madagáscar.
Agora as vítimas desta afeção, a esquistossomose, têm motivos para ter esperança. Investigadores internacionais poderão ter descoberto formas melhoradas de detetar a doença e estão prestes a desenvolver uma vacina contra esta afeção, que se apanha frequentemente em massas de água doce, como os rios.
Vítimas pobres
Mais de 140 milhões de pessoas em todo o mundo estão infetadas com esquistossomose e 700 milhões de pessoas vivem em zonas de risco, segundo Federica Giardina, especialista em bioestatística. Federica modela doenças infeciosas para encontrar pontos fracos nas defesas de parasitas problemáticos.
"Não é apenas uma questão de descobrir onde a infeção tem maior incidência e vacinar essa comunidade em massa", referiu Giardina, sediada no Centro Médico da Universidade de Radboud nos Países Baixos. "Trata-se de entender como é mantida a transmissão em contextos específicos e, em seguida, descobrir formas de criar e administrar intervenções direcionadas". A esquistossomose é classificada pela Organização Mundial de Saúde como uma das 20 doenças tropicais negligenciadas a nível mundial, fazendo parte de um grupo diversificado de doenças que afetam sobretudo as comunidades pobres. Em 2021, a OMS publicou um plano para eliminar a esquistossomose como um problema de saúde pública mundial e interromper a sua propagação em países específicos até 2030.
Uma espécie de caracol que prospera nos rios e noutros cursos de água onde as crianças brincam e os adultos passeiam e trabalham é hospedeira dos vermes parasitas sob a forma de larvas.
Nadadoras natas, as larvas penetram na pele humana, circulam no sistema sanguíneo e acabam por se desenvolver no fígado, transformando-se em vermes adultos. Em seguida, os vermes adultos formam pares e migram pelo sangue, depositando-se nos intestinos ou na bexiga.
Por sua vez, as vítimas podem tornar-se transmissoras da doença quando a urina ou as fezes são lançadas em massas de água doce.
"Esta é uma doença da pobreza, fortemente relacionada com o estatuto socioeconómico das comunidades onde se encontra", afirmou Jean Coulibaly, epidemiologista da Universidade Félix Houphouët-Boigny em Abidjan, Côte d’Ivoire. "As pessoas são infetadas no decorrer das suas atividades agrícolas, domésticas e recreativas quotidianas".
Transmissão complicada
A esquistossomose é tanto aguda, provocando febres altas, como crónica. À medida que migram, os vermes agregam-se nos tecidos e nos órgãos do corpo, por vezes causando danos extensos.
Uma infeção prolongada pode levar a insuficiência hepática e renal, hipertensão, cancro da bexiga e infertilidade. Nas crianças, uma infeção pode resultar num crescimento deficiente e em dificuldades de aprendizagem.
Segundo Giardina, um grande desafio é a rápida recuperação da prevalência após o tratamento. Afirma que, muitas vezes, as comunidades voltam aos níveis de esquistossomose anteriores ao tratamento apenas alguns anos depois de pararem a administração em massa de fármacos.
"A esquistossomose tem um ciclo de transmissão incrivelmente complexo, o que faz com que seja um problema interessante para mim, enquanto matemática, tentar resolver, mas também um grande desafio", refere Giardina.
Concluiu recentemente um projeto financiado pela UE para explicar quais são os principais mecanismos subjacentes à persistência da transmissão e como estes afetam a viabilidade de atingir os objetivos da OMS. A iniciativa de dois anos, denominada SchiSTOP, terminou em maio de 2023.
Diagnósticos melhorados
Giardina espera que as suas descobertas resultem em intervenções mais direcionadas para reduzir a taxa de infeções.
Atualmente, as infeções são diagnosticadas através da contagem dos ovos excretados pelos indivíduos infetados.
No entanto, a grande variedade no número de ovos torna esta medida imprecisa. Isto significa que as pessoas com baixos níveis de infeção podem facilmente ser descartadas e contribuir para a propagação da doença.
Giardina utilizou modelos estatísticos para estimar a exatidão de um novo teste de diagnóstico da esquistossomose desenvolvido no Centro Médico da Universidade de Leiden, nos Países Baixos.
Foram colhidas no terreno amostras de urina ou de soro de várias comunidades com diferentes níveis de endemicidade e, em seguida, enviadas para Leiden para serem analisadas.
De acordo com Giardina, a análise baseia-se na deteção de antigénios e tem uma elevada sensibilidade mesmo para infeções de baixa intensidade.
Esperança na vacina
Entretanto, há uma esperança crescente de que uma vacina trave as infeções em locais onde a esquistossomose está disseminada.
A vacina candidata mais promissora foi desenvolvida por Afzal Siddiqui, um parasitologista do Texas Tech University Health Sciences Center, nos EUA.
"Quando uma pessoa é infetada com esquistossomose, o corpo inicia uma resposta imunitária contra esta, mas o parasita evoluiu para evitar o ataque, alterando constantemente a sua membrana superficial", refere Siddiqui. "A vacina inibe a alteração da membrana, o que significa que o parasita morre".
Os investigadores acabaram de completar quatro anos de avaliação pré-clínica da vacina nos EUA e está prestes a ser concluído em Seattle um primeiro estudo em humanos. No âmbito de um projeto financiado pela UE, denominado VASA, com uma duração de cinco anos até maio de 2024, o desenvolvimento da vacina continuará nas zonas endémicas. Os ensaios em seres humanos deverão ter início em agosto deste ano em Madagáscar e no Burkina Faso – dois países africanos onde a infeção é frequente.
"Esta vacina terá como alvo as pessoas mais vulneráveis das regiões do Sul", afirmou Florian Marks, epidemiologista da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e coordenador do projeto. "É verdadeiramente uma vacina para melhorar a vida das pessoas que vivem em países africanos e asiáticos".
Marks, que também é diretor-geral adjunto do Instituto Internacional de Vacinas em Seul, na Coreia do Sul, prevê que a primeira fase dos ensaios esteja concluída no próximo ano. Está otimista quanto ao facto de os restantes ensaios e verificações de segurança das vacinas poderem ser concluídos pouco tempo depois, graças ao novo financiamento destinado a este fim.
Já foi selecionado um fabricante de vacinas na Coreia, embora seja improvável que a produção se limite a uma única empresa.
"Trata-se de uma vacina para a saúde global, pelo que iremos necessitar de vários fabricantes para satisfazer as necessidades", referiu Marks.
No entanto, os investigadores esforçam-se por não criar expectativas demasiado elevadas no que diz respeito ao fim total da doença através de uma vacina ou de qualquer outra medida de prevenção, incluindo a apanha de caracóis nos leitos dos rios.
"O nosso objetivo é erradicar a esquistossomose", afirma Coulibaly, o epidemiologista costa-marfinense. "Contudo, se não conseguirmos atingir este objetivo nos próximos anos, devemos pelo menos tentar controlar a morbilidade nos locais onde esta é endémica".
A investigação neste artigo foi financiada pela UE através da MSCA (Marie Skłodowska-Curie Actions). Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.