Robôs com inteligência artificial ajudam a resolver problema crescente do lixo eletrónico
Investigadores financiados pela União Europeia desenvolveram robôs adaptáveis que poderão transformar a forma como reciclamos os resíduos eletrónicos, beneficiando tanto o ambiente como a economia.
Corpo do artigo
Nos arredores da histórica cidade alemã de Goslar, um vasto complexo industrial recebe um fluxo interminável de aparelhos eletrónicos fora de uso. À chegada, estes resíduos eletrónicos são laboriosamente preparados para serem reciclados.
A Electrocycling GmbH é uma das maiores instalações de reciclagem de resíduos eletrónicos da Europa. Todos os anos, processa até 80 mil toneladas de resíduos eletrónicos, de todas as formas e feitios.
Desmontagem manual
Apesar do impressionante conjunto de máquinas, mais de metade dos funcionários prepara manualmente os aparelhos para reciclagem. Selecionam os resíduos recebidos e removem as pilhas, que constituem um risco de incêndio e um grande desafio na reciclagem de resíduos eletrónicos.
"Há cada vez mais dispositivos, cada vez mais pequenos, e todos eles têm baterias de lítio, algumas das quais estão instaladas de forma permanente, soldadas ou coladas no dispositivo", explica Hannes Fröhlich, diretor-geral da Electrocycling.
"Não é um trabalho de sonho, desmontar estes aparelhos todos os dias com martelos e alicates. Acho que podemos fazer melhor."
Algumas destas tarefas fastidiosas poderiam ser executadas por robôs. No entanto, o problema é que sempre que há uma mudança no produto ou no processo, o hardware e o software precisam de ser reestruturados. Isto pode ser dispendioso e demorado.
Para resolver este problema, uma iniciativa de investigação financiada pela UE, denominada ReconCycle, conseguiu automatizar o processo através da criação de robôs que se podem reconfigurar para diferentes tarefas.
Novo território para a robótica
Investigadores da Eslovénia, da Alemanha e da Itália trabalharam em conjunto nesta questão no Instituto Jožef Stefan, o principal centro de investigação da Eslovénia, de 2020 a 2024.
A equipa desenvolveu robôs adaptáveis, apoiados por IA, capazes de retirar as pilhas dos detetores de fumo e dos radiadores de calor.
Estes dois produtos podem ser encontrados na maioria das casas e são substituídos a cada cinco a oito anos, criando grandes quantidades de resíduos.
"O principal desafio é o facto de existirem muitas versões diferentes de cada dispositivo. Basta pensar na quantidade de controlos remotos diferentes que existem", afirmou Aleš Ude, chefe do Departamento de Automática, Biocibernética e Robótica do Instituto Jožef Stefan e que coordena a equipa de investigação ReconCycle.
Em ambientes industriais, os robôs são normalmente programados para uma tarefa específica, repetindo exatamente a mesma série de movimentos num ambiente previsível.
Em vez disso, os investigadores propuseram-se criar um robô capaz de se adaptar a muitas tarefas diferentes, utilizando a IA mais avançada.
"Queríamos expandir a robótica, introduzir robôs onde ainda não existem", disse Ude.
Um problema crescente
Em colaboração com a Electrocycling, a equipa de investigação internacional de Aleš Ude criou uma célula de trabalho robótica adaptável. Trata-se de um espaço de trabalho constituído por, pelo menos, um robô, as suas ferramentas e equipamento, e o seu controlador.
A novidade aqui é que este sistema fechado se adapta de forma autónoma a várias tarefas, com a ajuda de um software complexo baseado em IA e de hardware modular que pode ser rapidamente reconfigurado. Utiliza também componentes macios como a SoftHand, uma mão semelhante à humana que pode manipular objetos com grande precisão.
Existem também caraterísticas de segurança como robôs colaborativos e botões de paragem de emergência.
"A colaboração internacional foi crucial para garantir a especialização correta", afirmou Ude.
"A robótica é muito interdisciplinar, pelo que é difícil encontrar os parceiros certos num só país".
Felizmente, os novos robôs chegam na altura certa, uma vez que a quantidade de resíduos eletrónicos produzidos todos os anos continua a aumentar. Todos os anos são produzidos na UE quase 5 milhões de toneladas de resíduos eletrónicos, o que corresponde a cerca de 11 quilogramas por pessoa. Menos de 40% dessa quantidade é reciclada, alertou o Parlamento Europeu.
Em todo o mundo, só em 2022 foram produzidos cerca de 62 milhões de toneladas de resíduos eletrónicos, o suficiente para encher 1,5 milhões de camiões de 40 toneladas, de acordo com dados da ONU. Mais preocupante ainda é o facto de a quantidade de resíduos eletrónicos estar a aumentar cinco vezes mais depressa do que a quantidade que está a ser reciclada.
A UE está a trabalhar para reduzir os resíduos eletrónicos através da Diretiva relativa aos resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos, que estabelece as normas de recolha e reciclagem.
O trabalho da equipa de Ude está também alinhado com a estratégia digital da UE, que incentiva a utilização da IA na indústria transformadora para melhorar a eficiência e ajudar a alcançar a neutralidade climática até 2050.
Deitar fora dinheiro
Os resíduos eletrónicos têm também sérias implicações económicas. O monitor mundial de resíduos eletrónicos da ONU estima que se perdem 84 mil milhões de euros por ano ao deitar fora metais valiosos como o cobre, o ferro e o ouro em vez de os reutilizar.
Na Electrocycling, 80% dos resíduos eletrónicos são recuperados como matérias-primas, tais como ferro, zinco, ouro, prata e paládio - cerca de 35 materiais no total.
"As pessoas têm de compreender que não se trata apenas de resíduos, mas também de matérias-primas que têm de ser recicladas e mantidas em circulação, tanto para a eficiência económica como para a redução das emissões de CO2", afirmou Fröhlich.
As novas tecnologias podem tornar tudo mais eficiente, e Fröhlich vê aí um grande potencial.
"Fiquei surpreendido com o avanço da tecnologia e da IA", afirmou. "Até recriaram uma mão humana para o robô."
Aleš Ude espera continuar a trabalhar com a Electrocycling para aperfeiçoar soluções para os resíduos eletrónicos. Espera-se também que os robôs adaptáveis, capazes de lidar com ambientes em mudança, possam ser usados muito para além da reciclagem de resíduos eletrónicos.
Com mais tempo e desenvolvimento, estes robôs poderiam até tratar de tarefas domésticas gerais ou apoiar os prestadores de cuidados em lares de idosos, disse Ude.
"A robótica pode ser uma grande ajuda nessas áreas".
Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.