Absolvição de Fernando Valente: acusação não tinha “qualquer prova irrefutável”
Ministério Público foi arrasado pelo Tribunal de Júri constituído em Aveiro para julgar homicídio.
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As três juízas de Aveiro que, com quatro jurados, absolveram o empresário Fernando Valente da suspeita de ter assassinado Mónica Silva, a grávida desaparecida da Murtosa, criticaram a acusação do Ministério Público, afirmando que esta não continha "qualquer prova irrefutável".
"Exige-se produção de provas irrefutáveis, o que não sucedeu no processo", escreveu aquele Tribunal de Júri, para o qual também faltou provar "a motivação do arguido para a prática do crime e a alegada imputação de paternidade, o percurso realizado até ao local da morte e mesmo a prova do local dos factos, como a realização de limpezas profundas para ocultar qualquer vestígio de crime".
O que se provou é que, na noite de 3 de outubro de 2023, Mónica Silva "estava viva, tendo mantido conversação telefónica, pelas 23h19, via messenger com o filho mais novo, que não notou qualquer constrangimento por parte da sua mãe", lê-se no acórdão.
Por um lado, "não resultou qualquer indício de verificação do evento morte de Mónica Silva", e, por outro, "inexiste qualquer vestígio biológico que permita, ainda indiciariamente, concluir pela verificação de atentado contra a sua vida". Dito de outro modo: o MP queria provar que Fernando Valente tinha matado Mónica Silva, mas o tribunal deparou-se, desde logo, com a "ausência de corpo da vítima" e, depois, com o desconhecimento de "qual o meio ou modo que poderá ter infligido a lesão mortal à vítima".
Sobre as "pegadas digitais" do arguido e da vítima no mesmo percurso, entre a Murtosa e a Torreira, o tribunal concluiu que "os dados de localização celular, desacompanhados de qualquer outro elemento, não permitem concluir, com segurança, sobre a localização do equipamento telefónico, apenas se conferindo uma indicação provável, mas pouco rigorosa".
De resto, o acórdão lembra que "não é exigível aos arguidos cumprirem com o dever de verdade, exigindo-se, sim, ao tribunal cautela na apreciação da prova, não sendo permitido ter por demonstrados factos com fundamento em contrariedades da versão do arguido".
Perguntas & Respostas
Vai haver recurso da absolvição do arguido?
Sim, o Ministério Público e o advogado da família de Mónica Silva vão recorrer para o Tribunal da Relação do Porto, onde três juízes desembargadores proferirão acórdão. Mas os recursos serão apresentados junto do Tribunal de Aveiro, que dará prazo aos advogados do arguido, André Fontes e Solange Jesus, para se pronunciarem sobre os mesmos.
O julgamento pode ser repetido em primeira instância?
Sim, em caso de erro notório na apreciação da prova e/ou de nulidades insanáveis no acórdão absolutório. A repetição pode ser parcial, isto é, apenas incidir sobre determinadas diligências, como a inquirição, novamente, de determinadas testemunhas.
Se a Relação confirmar a absolvição, haverá novo recurso?
Nesse caso, verificar-se-á a chamada "dupla conforme", que, em princípio, impede recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Mas poderá haver recurso para o Tribunal Constitucional, se invocadas, logo no primeiro recurso, inconstitucionalidades concretas de leis aplicadas no acórdão absolutório.
Se a absolvição transitar em julgado, o processo poderá ser reaberto, visando o mesmoarguido?
Sim, mas só se surgirem dados novos que eventualmente incriminem de uma forma direta o empresário Fernando Valente. Isso é pouco frequente em Portugal. E o contrário também: a reabertura do processo e a absolvição de um arguido após o aparecimento de provas que demonstram que foi injustamente condenado.