Seguradora condenada pelo Supremo Tribunal a indemnizar turista que foi projetada de veículo conduzido por funcionário de empreendimento turístico.
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Uma turista alemã de 67 anos vai receber uma indemnização de perto de 500 mil euros, na sequência de um acidente com um carrinho de golfe no Algarve. O veículo circulava com um passageiro a mais, mas o tribunal considerou que a única causa provada do acidente foi uma manobra repentina do condutor. A sentença foi confirmada a 27 de abril pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ).
O acidente ocorreu na manhã de 5 de abril de 2017. A alemã e um amigo iam jogar uma partida de golfe e solicitaram um veículo. O motorista do clube acondicionou os sacos no "buggy" e sentaram-se os três no banco corrido. O condutor efetuou um arranque repentino e, após alguns metros, fez uma flexão apertada para contornar a rotunda de acesso ao campo. A alemã e o amigo foram projetados. A mulher caiu no asfalto e partiu o fémur direito.
Foi assistida pelo INEM e levada para o hospital onde foi sujeita à primeira de várias cirurgias e tratamentos. Em finais de 2019, foi-lhe estimado um grau de invalidez de 30%. Esteve 163 dias com défice funcional total e 753 com défice parcial. Em termos profissionais, teve 253 dias de baixa e repercussões parciais em 681 dias.
A alemã intentou uma ação contra a seguradora do clube de golfe. Pedia um montante de 1,1 milhões de euros, acrescido de juros. A seguradora sugeriu a divisão de responsabilidades na medida de 50%, mas a acidentada não aceitou. Em primeira instância, o Tribunal de Faro considerou a alemã parcialmente responsável e atribuiu-lhe uma indemnização de 310 mil euros por despesas, perdas salariais e danos patrimoniais e não patrimoniais.
A alemã recorreu. E o Tribunal da Relação de Évora, em 27 de outubro de 2022, afastou qualquer responsabilidade da sua parte, condenando a seguradora a pagar a totalidade dos prejuízos e os danos causados, calculando a indemnização em 478 mil euros.
Desta vez foi a seguradora a recorrer, para o STJ. Alegou que o condutor aceitou levar dois passageiros, mas a lesada sabia que o carrinho apenas servia para duas pessoas e, mesmo assim, sentou-se, contribuindo para o acidente e para a sua projeção. O Supremo deveria repartir as culpas em 65% para o condutor e 35% para a lesada, defenderam os advogados da seguradora.
Ao analisar o recurso, os juízes do STJ frisaram que apenas fora dado como provado que três pessoas se sentaram no veículo. "Não há elementos para poder afirmar que a sobrelotação foi causa adequada da projeção da autora para fora do veículo", sustenta o acórdão.
Condutor violou regras
Existiu uma conduta violadora por parte da alemã ao aceitar ser transportada num veículo que sabia ter excesso de lotação. Mas, frisam os juízes conselheiros, "a única causa adequada do acidente foi ter sido efetuada uma flexão apertada para o lado esquerdo, logo após o arranque do veículo de forma repentina, acelerando e imprimindo velocidade ao veículo, ao arrepio do que consta bem salientado nas regras de segurança deste tipo de veículos".
Portanto, foi o condutor do "buggy" e só ele que deu causa ao acidente, concluem os magistrados, mantendo a decisão do Tribunal da Relação de Évora.
Turista ficou limitada no desporto, lazer e sexo
O acórdão afirma que a alemã praticava ténis, golfe e esqui, o que deixou de fazer após o acidente. "Teve sofrimento, nervosismo, insónias e medo de não vir a recuperar a sua vida normal. Sentindo-se inferiorizada e com perda de autoestima", descreve o acórdão. Além disso, a mobilidade da anca direita ficou reduzida e "afetou a atividade sexual que era e é importante para a autora", pois daí retirava "grande equilíbrio emocional e psicológico e alegria de viver". Segundo o tribunal, estimou-se uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau cinco em sete, uma repercussão permanente na atividade sexual de grau três em sete e, por fim, um dano estético de grau quatro em sete.
Pormenores
Consultora de pensões
A acidentada é consultora "freelancer" de planos de pensões e complementos de reforma. Após 163 dias com défice funcional total, trabalhou com dores e reduziu ou deixou de fazer certas atividades profissionais, como ir a eventos de angariação de clientes.
Ganhou 643 mil euros em 4 anos
De 2016 a 2019, a consultora apresentou faturações ilíquidas anuais de 174 mil , 103 mil, 213 mil e 153 mil euros.
Perdeu 294 mil euros em salários
A indemnização de 478 mil euros é a soma de várias parcelas: 9 mil euros por despesas médicas; 294 mil por perdas salariais; 90 mil por danos biológicos; 30 mil por danos futuros; e 55 mil por danos não patrimoniais.