Ana Lúcia Matos gastou uma fortuna que a Justiça crê ter sido proveniente dos lucros da rede internacional de fraude ao Fisco desmantelada pela Diretoria do Norte da Polícia Judiciária (PJ) e alegou desconhecer a origem do dinheiro.
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A investigação não acredita na justificação porque identificou gastos de centenas de milhares de euros com a compra de imóveis, decoração de casas, bens de luxo como roupas, viagens e até um Porsche. A ex-apresentadora de televisão pagava na hora e por completo.
Ana Lúcia Matos foi um dos oito arguidos libertados na noite de anteontem pelo juiz Pedro Miguel Vieira, mas que voltarão na próxima terça-feira ao Tribunal de Instrução Criminal do Porto para conhecerem as medidas de coação definitivas. Os restantes seis, incluindo o companheiro de Ana Lúcia desde 2018, Max Emiliano (ou William) Cardoso, a francesa Isabelle Lafontaine e o companheiro desta, Prathikhoun Lavivong, permanecem detidos, até porque o Ministério Público (MP) pretende que lhes seja decretada a prisão preventiva. No caso de Isabelle, cumprida em casa e sob vigilância de uma pulseira eletrónica.
viajar só com autorização
O MP não pediu a prisão preventiva dos oito arguidos libertados, por considerar menos gravoso o seu envolvimento na rede que é suspeita de fraudes ao Fisco com transações intracomunitárias de material informático e telemóveis no valor de centenas de milhões de euros. Mas quer que sejam impostas fortes restrições às suas movimentações e, nalguns casos, vedado o acesso a contas bancárias e até a equipamentos informáticos. Entre estes encontra-se a septuagenária francesa Brigitte Lafontaine, tida como figura de topo, vários gestores de empresas alegadamente usadas para fazer circular lucros das fraudes e uma técnica oficial de contas apontada como responsável por mascarar a contabilidade das empresas.
Quanto à ex-apresentadora, segundo informações recolhidas pelo JN, o MP propõe que fique proibida de viajar para o estrangeiro sem autorização judicial e impedida de contactar com os outros arguidos.
A investigação, dirigida pela delegação do Porto da Procuradoria Europeia, encontrou evidentes sinais exteriores de riqueza incompatíveis com os rendimentos de Ana Lúcia, mais ainda com os inexistentes rendimentos em Portugal do seu companheiro. As avultadas verbas usadas nas compras por Ana Lúcia seriam oriundas do complexo esquema de fraude fiscal liderado por uma família francesa residente em Guimarães e o marido da apresentadora.
Ana Lúcia tinha contas bancárias em Portugal, nos Emirados Árabes Unidos e na Lituânia. A investigação apurou que até uma empresa do Dubai que agenciara a modelo e ex-apresentadora recebeu verbas oriundas de empresas envolvidas no esquema criminoso.
alertas bancários
A rede estava a ser investigada desde 2019. Entre 2 e 15 de dezembro desse ano, duas das contas da empresa Numbers Station no BPI e no Millennium BCP foram creditadas com mais de seis milhões de euros oriundos de empresas controladas pela rede. As transferências levaram os bancos a emitir alertas de branqueamento.
As contas eram controladas por Max Cardoso e Ana Lúcia acedia-lhes. A Numbers Station terá servido para esconder milhões de euros das Finanças. Só em dois anos terá ficado com mais de 2,2 milhões em IVA e IRC não pagos. A Justiça ainda arrestou 3,2 milhões de euros às contas da firma. Pelas contas pessoais de Ana Lúcia, que prestou declarações ao juiz, terão passado, entre julho de 2019 e agosto de 2022, mais de 233 mil euros vindos da Numbers Station.
Fraude com IVA
As empresas da alegada rede criminosa transacionavam entre si mercadorias sem liquidar o IVA, aproveitando a legislação comunitária, mas os clientes que compravam os artigos online pagavam-nos com IVA incluído e aquela plataforma fazia o mesmo à empresa vendedora e esta desaparecia, enviando os lucros da fraude para paraísos fiscais. Só o Estado português foi lesado em 300 milhões de euros.
2,2 mil milhões
A investigação escrutinou 8845 empresas que venderam mais de 2,2 mil milhões de euros em material informático e telemóveis em plataformas online, sobretudo na Amazon.