Um sargento da GNR foi condenado a dois anos e meio de prisão, com pena suspensa, por perseguição agravada a uma empregada de limpeza do posto que comandava, em Monção.
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O militar recorreu, alegando que o tribunal ouvira indevidamente a sobrinha da ofendida, uma advogada que estava vinculada ao sigilo profissional. A Relação de Guimarães concordou e declarou nula a decisão. A juíza terá agora de emitir nova sentença.
Os factos em causa ocorreram no verão de 2020. O arguido estava a ser alvo de um processo disciplinar por "factos passíveis de constituir ilícito de natureza criminal/sexual". O inquérito fora desencadeado por uma denúncia anónima, à qual fora anexado um vídeo "onde o arguido é visto a importunar sexualmente a ofendida praticando atos de caráter exibicionista perante e na presença da mesma", lê-se no acórdão da Relação de 9 de maio.
O militar soube que a empregada de limpeza do posto ia ser ouvida e efetuou "várias abordagens com o intuito de fazer com que ela não depusesse contra ele". Fez quatro tentativas de abordagem em apenas dez dias - uma na via pública e três numa loja onde ela também trabalhava.
Das duas primeiras vezes, o guarda instruiu-a a dizer que o vídeo era uma montagem. "Se o fizesse, teria um amigo para toda a vida", prometeu. Três dias depois, foi à loja e chamou várias vezes por ela. Uma colega ouviu e avisou-a. Conseguiram sair da loja e foram denunciar os factos à GNR. No dia seguinte, o militar foi novamente à loja e voltou a chamar várias vezes pelo nome dela. A mulher, "atemorizada", telefonou à GNR para denunciar os factos. Das duas vezes foram levantados autos de ocorrência que viriam a desencadear um processo por perseguição.
Pena ficou suspensa
A 19 de novembro de 2021, o Tribunal de Monção condenou o militar por um crime de perseguição agravado a dois anos e meio de prisão, pena suspensa, condicionada ao pagamento de mil euros à ofendida.
A defesa do GNR pediu a nulidade da sentença alegando que o tribunal considerara o depoimento de uma testemunha - sobrinha da ofendida - que fora prestado em violação do dever de segredo profissional a que estava obrigada, como advogada, o que constituía prova proibida.
Os juízes da Relação decidiram que a empregada de limpeza tinha pedido aconselhamento jurídico à sobrinha e que fora esta a redigir a queixa que originou os autos. Mais: foi ela que a acompanhou, como sua mandatária, quando foi depor no processo de inquérito. Portanto, para o tribunal, a testemunha teve conhecimento dos factos no exercício da sua atividade profissional de advogada e, "como tal, constitui prova proibida".
Torna-se "necessário refazer o raciocínio lógico-dedutivo que esteve na base da decisão" e, "até, se for caso disso, reformular a própria convicção" do tribunal, decidiram os juízes.
Vítima não formalizou queixa
A investigação sobre um eventual crime de importunação sexual teve origem num vídeo que começou por circular nas redes sociais. As imagens, captadas de modo oculto, mostravam, alegadamente, o comandante todo nu no posto e a masturbar-se enquanto conversava com a empregada de limpeza. Através de denúncia anónima, o vídeo chegaria ao conhecimento da GNR e do Ministério Público que deduziu acusação contra o militar. Porém, o caso acabou arquivado porque o crime é de natureza semipública e a empregada de limpeza não formalizou a queixa no prazo de seis meses. Mas o militar foi acusado de perseguição. O Tribunal de Monção não faz uma ligação direta entre a perseguição e a não apresentação da queixa, mas considera que o GNR agiu "com o propósito concretizado de provocar inquietação e insegurança à ofendida e assim prejudicar a sua liberdade de determinação", ficando esta "com receio" do que o arguido poderia fazer.
Pormenores
Pânico e medo
Segundo o tribunal, a mulher passou a viver com ansiedade e com medo de possíveis represálias e "pânico" de um novo encontro com o militar e de perder o emprego no posto da GNR. Com o mediatismo do caso, passou a ser "alvo de olhares, comentários e conversas".
Militar transferido
Após as denúncias, a GNR abriu um inquérito interno que, em julho de 2020, ficou suspenso à espera das decisões judiciais. O militar foi transferido preventivamente para a sede do destacamento de Valença, onde, no ano passado, ainda desempenhava funções administrativas.