É um fenómeno em crescimento o das "street races" (corridas de rua) ilegais que se organizam de forma improvisada, sobretudo em Aveiro, Coimbra, Faro e Leiria. Há apostas em jogo que vão de um mínimo de mil euros até ao próprio carro, "bombas" em que os donos chegam a gastar entre 15 mil e 50 mil euros em alterações (ver infografia). Mas há também muitos aceleras que se desafiam apenas por emoção e orgulho, com centenas de pessoas a assistir.
Corpo do artigo
https://d23t0mtz3kds72.cloudfront.net/2021/08/video_streetrac_20210829211601/mp4/video_streetrac_20210829211601.mp4
As autoridades têm multiplicado as operações para travar as corridas. Nos últimos quatro anos, foram detetadas 1547 "street races" ou concentrações e, desde janeiro, só a GNR já acabou com 162 corridas e apreendeu 100 veículos alterados.
O mundo da "street race" tem códigos, linguagem e até roupa próprios. Os carros preparados para corridas ilegais passam quase despercebidos. Ao contrário dos tuning, só com alterações exteriores (ver texto ao lado), é debaixo do capô que se escondem os segredos da potência e desempenho.
"Os carros de picanço, apenas têm uma suspensão rebaixada e umas jantes à vista. Nada que atraia a atenção da Polícia", adiantou ao JN um habitué das concentrações improvisadas. Nestas não há apostas. Compete-se apenas pela adrenalina e para "dar nas vistas".
Mil pessoas a assistir
O JN acompanhou, na última sexta-feira à noite, um destes "picanços", que juntou cerca de mil pessoas, numa zona industrial da Área Metropolitana do Porto. Ao longo de uma reta com cerca de dois quilómetros, grupos de amigos, "pilotos" e até famílias inteiras assistem a arranques a queimar pneus (burn out), corridas ou rateres. São uns dez carros que dão show à vez. Batem-se palmas e há gritos de incentivo, mas também palavras de precaução. É que não existem proteções, nem qualquer tipo de segurança. O odor a borracha queimada é intenso e as marcas dos piões ficam no asfalto. Toda a gente está presa ao telemóvel para filmar ou para receber alertas da possível chegada das autoridades e poder fugir a tempo.
14072545
Os encontros de aceleras, acontecem sempre após a meia-noite e são combinados nas redes sociais, em grupos fechados do WhatsApp. Antes há quem se junte, apenas para conviver com amigos e discutir carros, numa estação de serviço ou num parque de estacionamento. Ali, a maior parte dos carros tem alterações exteriores homologadas. Passadas algumas horas, os telemóveis tocam: dois ou mais "picões" já estão a dar espetáculo. É hora de arrancar. A localização só é divulgada aos veteranos e à última da hora.
secretismo
Já no caso das "street races", com apostas, o local fica apenas entre meia dúzia de pessoas, longe do público das concentrações improvisadas. Ali ninguém quer atrair atenções porque é mesmo a doer.
"São grupos muito restritos. A aposta é combinada antes. O mínimo são mil euros e na zona de Aveiro joga-se o livrete do carro. Vêm de Lisboa ou até do Algarve e a corrida pode ser na autoestrada e ter dezenas de quilómetros", explicou ao JN outro conhecedor: "Quando se aposta um carro, o livrete fica, antes da corrida, nas mãos de um terceiro. Para o dinheiro é igual. Assim, não há confusão no final".
Polícias multiplicam operações
Nas últimas semanas, PSP e GNR têm multiplicado as ações contra as corridas ilegais. Desde o início do ano, só a Guarda travou 162, fazendo oito detenções e apreendendo 100 veículos. "Também são detetados ilícitos de natureza contraordenacional, destacando-se a alteração das caraterísticas e transformação dos veículos, o desrespeito pela sinalização existente, o excesso de velocidade e a falta de seguro de responsabilidade civil", explica fonte da GNR. Nas zonas mais urbanas, desde 2018, a PSP detetou 714 "street races" e efetuou 64 detenções. "A fiscalização em ambiente urbano é bastante complexa, dada a imprevisibilidade e mobilidade" das corridas, obrigando a um "esforço para reunir informação sobre a localização e viaturas envolvidas" para planear "ações policiais destinadas a acabar com essas dinâmicas", precisou fonte da PSP. Só na semana passada, em cinco corridas ilegais, em Braga, Aveiro e Setúbal, foram apreendidos cerca de 70 veículos.
"Amantes do tuning não são aceleras"
José Vieira, Presidente da Associação Portuguesa de Clubes Tuning
Qual é a diferença entre o tuning e os aceleras que fazem corridas?
Os verdadeiros amantes do tuning, os "tuners", não são aceleras nem gostam que os confundam com eles. Até estamos muito desanimados por o público em geral nos rotular como aceleras.
Mas nas concentrações aparecem aceleras?
O verdadeiro tuning automóvel não é fazer provas de picanços e estamos contra quem o faz nas concentrações tuning. Existe uma diferença muito grande entre quem prepara os carros visualmente e quem mexe nos motores para ganhar mais velocidade.
É possível legalizar um tuning?
Sim. É passado por um engenheiro mecânico um certificado com as novas caraterísticas técnicas. A seguir vamos ao IMT [Instituto da Mobilidade e dos Transportes] para que seja feito o averbamento no livrete. Tem custos, mas assim está-se legal e não se arrisca multas pesadas.
Como tem andado o negócio do tuning?
Mal. Há comerciantes a fechar portas porque os aceleras dão má fama ao tuning e as autoridades têm de atuar, e bem. Mas depois vendem-se cada vez menos peças, porque as pessoas ficam com receio de alterar os carros. Às vezes, nem sabem que podem legalizar.