Andreia, vamos chamar-lhe assim, viveu em pânico durante anos. Tinha medo que o marido concretizasse as ameaças e, num qualquer dia, sem motivo algum, a matasse com o tiro prometido.
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Quando atingiu o limite do desespero, recolheu as armas e entregou-as à Polícia. "Temos alguns casos destes", afirmou, ontem, a comandante da PSP do Porto, Paula Peneda.
No mesmo dia em que o Ministério da Administração Interna (MAI) anunciou que as forças de segurança receberam, em média, três denúncias de violência doméstica por hora, em 2019, Ana Castro Sousa, gestora do gabinete do Porto da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, revelou que ouve relatos frequentes de vítimas de homens que dormem com uma pistola junto à cama. Apenas e só para as manter sob o seu domínio.
Paula Peneda e Ana Sousa Castro participaram, para assinalar o Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres, numa ação que destruiu 13 500 armas de fogo, 192 delas apreendidas pela PSP em processos de violência doméstica. "A existência de armas em contexto de violência doméstica é uma realidade com que nos confrontamos todos os dias. Este evento simboliza o perigo que as mulheres correm", afirmou Ana Castro Sousa, convencida de que "continuam a existir muitas armas" nas mãos de maridos violentos. "Há muitos casos de agressores que têm uma arma apenas para amedrontar a mulher. Foram as vítimas que nos disseram onde é que estava a maioria das armas que apreendemos", acrescentou a superintendente Paula Peneda.
A PSP registou, em três anos, 306 ocorrências de violência doméstica envolvendo armas de fogo. Em 74 dessas situações, a vítima foi alvejada. Também a GNR avançou que, no ano passado, investigou 13 503 crimes de violência doméstica, dos quais resultaram 16 078 vítimas. 12 750 eram mulheres e 3328 homens. Os distritos do Porto, Aveiro, Setúbal e Braga foram os mais problemáticos.
Queixas aumentam em 2019
Tudo somado, as forças de segurança receberam 29 473 participações de violência doméstica, no ano passado: 13503 foram apresentadas na GNR e as restantes 15970 na PSP, o que corresponde a um aumento de 11,5% face a 2018.
Segundo o relatório de monitorização anual de violência doméstica de 2019, da secretaria-geral do MAI, foram realizadas 456 denúncias por mês, 81 por dia e cerca de três por hora. "Em todos os meses de 2019, o número de ocorrências aumentou face ao verificado no período homólogo do ano anterior", lê-se no relatório.
Três casos
18 anos de agressões
Ao longo de 18 anos de casamento, partiu um braço à mulher, deu-lhe com um machado numa perna e na cabeça, puxou-lhe os cabelos e esbofeteou-a. A vítima partiu ainda um pé numa das vezes que fugia da fúria do marido que, já após o divórcio, passava todos os dias no café onde ela trabalhava para a ameaçar de morte. Ontem, o desempregado de Paredes foi colocado em prisão preventiva.
Ciumento com armas
Os ciúmes e questões económicas levaram um homem de 54 anos, de Vila do Conde, a agredir a esposa. Esta também era ameaçada de morte e, esta semana, a GNR encontrou duas armas ilegais e 21 cartuchos na casa do casal, que foi alvo de buscas. O dono das caçadeiras foi detido e está impedido de se aproximar da vítima.
Pistola ilegal
A GNR, através do Núcleo de Investigação Criminal e Apoio a Vítimas Específicas, também deteve um homem de 46 anos, em Paços de Ferreira. Tinha uma arma de fogo ilegal e 33 munições, que usava para amedrontar a companheira.
Estatísticas
23 condenações por homicídio conjugal, em 2019. Este número representa 13,5% das 170 condenações verificadas ao longo do ano passado.
73,9% dos condenados por homicídio conjugal, em 2019, eram homens. Em sentido oposto, 65,2% das vítimas dos casos julgados eram mulheres.
32 condenações por homicídio da companheira(o) registadas em 2016. É o número mais elevado dos últimos cinco anos.