Ao fim de 26 anos e de dez processos judiciais vencidos pelo clínico de Braga que já se reformou.
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O Tribunal Central Administrativo do Norte (TCAN) confirmou, em acórdão de janeiro, que a Administração Regional de Saúde do Norte tem de indemnizar o médico luso-brasileiro José Barros de Brito, ilegalmente demitido das funções que exercia no antigo Hospital de São Marcos, de Braga, pelo então administrador Lino Mesquita Machado.
O clínico, que entretanto se reformou, será indemnizado após um diferendo de 26 anos e de vencer dez litígios judiciais. Os juízes do TCAN confirmaram a sentença do Tribunal Administrativo de Braga que, em 2020, condenou a ARS-Norte - o São Marcos foi extinto - a indemnizar o pediatra ilegalmente demitido. A indemnização, que deve chegar às centenas de milhares de euros, será quantificada em execução de sentença.
A decisão não tem, em princípio, recurso, dado que se trata de uma dupla conforme, ou seja, de duas decisões de sentido igual, mas a ARS/Norte pode, ainda, tentar um recurso extraordinário. "Se o fizer será um abuso, uma falta de respeito para com os tribunais e um gasto inútil de dinheiros públicos, ainda para mais num caso de xenofobia", disse o médico ao JN.
VIOLAÇÃO DA LEI
Na primeira sentença, o juiz do tribunal de Braga considerou que houve violação da lei, de contrato de trabalho e de decisões judiciais - nomeadamente de uma sentença de 2013 anulando a sua demissão - , o que, assinala, conduziu a que o pediatra "viesse a suportar, tal como a sua família, um conjunto de sentimentos e debilidades sociais, físicas, emocionais e de dignidade". Considera, ainda, que a ARS violou "a dignidade humana, o cumprimento da legalidade e das decisões judiciais".
O litígio começou em 1996, quando Barros Brito era pediatra na Urgência do São Marcos. O Governo de então produziu um decreto-lei para resolver o problema dos precários. O médico - formado na Universidade do Porto - não aceitou entrar no concurso para a categoria, já extinta, de Clínica Geral, já que era assistente de pediatria da carreira médica hospitalar. E reclamou.
Seguiram-se vários diferendos judiciais, e, entretanto, o pediatra foi colocado na Misericórdia local e noutro serviço de visita domiciliária a doentes acamados, incluindo oncológicos. Chegou a estar quatro dias em greve de fome, dentro do próprio hospital.
Quando o novo Hospital da cidade - uma parceria público-privada - começou a operar, Barros de Brito não foi transferido para lá, ao contrário dos restantes médicos, tendo sido colocado no Centro de Saúde de Ínfias. Ali, a diretora disse-lhe que não tinha recebido indicações sobre qual a função que exerceria, o que o deixou, de novo, sem trabalhar.
O JN contactou a ARS mas não conseguiu, até ao momento, uma resposta.
Pormenores
Um ano sem exercer
médico, que não se coibiu de acusar os responsáveis de "perseguição, xenofobia e racismo", veio a ser condenado a um ano de inatividade e em 2013 seria demitido pelo então presidente da ARS-Norte e atual presidente do Hospital de São João, o ex-secretário de Estado Fernando Araújo.
Demissão anulada
A pena de demissão foi anulada em 2020 pelo tribunal, mas a ARS recorreu, isto apesar de o médico ter escrito uma carta ao primeiro-ministro, António Costa, pedindo-lhe que não recorresse. O médico acabou por se reformar com uma pensão de apenas 684 euros, dado que esteve vários anos sem descontar.
Cronologia
1997
Hospital de São Marcos abre concurso para regularizar situação de médicos a recibo verde. Barros de Brito não aceita concorrer para clínico geral.
2000
Hospital abre processo disciplinar por o brasileiro ter declarado que havia racismo e xenofobia da parte do diretor da unidade e do diretor clínico.
2003
Tribunal Administrativo do Porto mantém pena de um ano de inatividade decidida no processo disciplinar.
2006
Na véspera de ir de férias para o Brasil, marcadas antes, é proibido pela Administração. Esta vem a explicar que "houve um erro informático".
2008
Tribunal ordena reintegração, mas a Administração não o faz. Médico não é colocado no novo hospital, mas sim num centro de saúde, sem tarefas.
2011
O pediatra é demitido de médico do Hospital de Braga
2013
Tribunal do Porto ordena a integração do médico no quadro hospitalar.
2021
Sentença recusa pedido do hospital para reaver 9485 euros pagos em 2011 ao pediatra.
2021
Tribunal de Braga determina que a Administração Regional de Saúde tem de indemnizar o clínico brasileiro.
2022
Tribunal Central Administrativo confirma a condenação.