A guerra dura há 25 anos e o Tribunal Administrativo de Braga acaba de condenar a Administração Regional de Saúde do Norte (ARS-Norte) a indemnizar o médico brasileiro José Barros de Brito, ilegalmente demitido das funções que exercia no antigo Hospital de São Marcos, naquela cidade.
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A indemnização, que deve ascender a centenas de milhares de euros, será quantificada em execução da sentença. Ao JN, Barros de Brito não disse quanto vai pedir, mas, em ocasiões anteriores, afirmara ter direito a 500 mil euros.
Ao longo dos últimos 25 anos, os tribunais trataram de diversos diferendos judiciais, nos quais Barros de Brito diz ter conseguido nove decisões favoráveis.
Na última delas, em janeiro, o juiz conclui que houve violação da lei, de contrato de trabalho e de decisões judiciais - nomeadamente, de uma sentença de 2013 que anulou a demissão do médico. E isso, assinala, levou a que o pediatra "viesse a suportar, tal como a sua família, um conjunto de sentimentos e debilidades sociais, físicas, emocionais e de dignidade".
Deixado sem trabalho
Este contencioso começou em 1996, quando Barros de Brito era pediatra na Urgência do Hospital de São Marcos, então gerido por Lino Mesquita Machado. O Governo à época aprovou um decreto-lei para resolver o problema dos precários. Só que o médico não aceitou entrar no concurso para Clínica Geral, sendo ele assistente de Pediatria da Carreira Médica hospitalar. E reclamou. Entretanto, o pediatra foi colocado em serviço na Misericórdia local e noutro de visita domiciliária a doentes acamados, incluindo oncológicos.
Quando o novo hospital da cidade - uma parceria público-privada com o grupo Mello Saúde - começou a operar, Barros de Brito não foi transferido para o mesmo, ao contrário dos restantes médicos. Foi antes colocado no Centro de Saúde de Ínfias. Mas, aqui, a diretora disse-lhe que não recebera indicações sobre a sua categoria e função, o que o deixou de novo sem trabalhar.
De seguida, e após ter acusado os responsáveis do hospital de "perseguição, xenofobia e racismo", veio a ser condenado a um ano de inatividade e, mais tarde, em 2013, a ser demitido pelo então presidente da ARS-Norte e atual presidente do Hospital de São João, o ex-secretário de Estado Fernando Araújo. Foi ainda condenado por ter difamado - com termos idênticos - o administrador Lino Mesquita Machado. A pena de demissão foi anulada em janeiro de 2020 pelo Tribunal Administrativo de Braga, mas a ARS voltou a recorrer. O médico, que chegou a pedir a intervenção do então presidente da República do Brasil, Lula da Silva, acabou por se reformar com uma pensão de apenas 684 euros, dado que esteve vários anos sem fazer descontos.
Pede a ministra para evitar recurso
O clínico teme que o Ministério da Saúde recorra da decisão, o que, dada a lentidão dos tribunais administrativos, pode protelar a decisão final por vários anos. Por isso, escreveu uma carta ao primeiro-ministro, António Costa, que a enviou para a ministra da Saúde, pedindo-lhe que não recorra.
Interpelou António Guterres
Quando António Guterres era primeiro-ministro, e numa visita a Braga, Barros Brito interrompeu a sessão e começou, em termos respeitosos, a explicar a injustiça de que era vítima. Guterres deixou-o falar, e não permitiu que os seguranças calassem o médico.
Cronologia
1997
Hospital de São Marcos abre concurso para regularizar situação de médicos a recibo verde. Barros de Brito não aceita concorrer para clínico geral, dado ser pediatra. Contesta, sem efeito: continua a fazer urgências como pediatra a recibo verde.
2000
Hospital abre processo disciplinar por o brasileiro ter declarado que havia racismo e xenofobia da parte do diretor da unidade e do diretor clínico.
2003
Tribunal Administrativo do Porto mantém pena de um ano de inatividade decidida no processo disciplinar.
2006
Na véspera de partir de férias para o Brasil, marcadas com antecedência, é proibido de o fazer pela Administração. Esta vem a explicar que "houve um erro informático".
2008
O tribunal ordenou a reintegração do pediatra nos quadros do hospital, mas a Administração não o faz. PPP arranca e o médico não é transferido para o novo Hospital de Braga. É colocado, sem tarefas, no Centro de Saúde de Ínfias.
2011
O pediatra é demitido de médico do Hospital de Braga
2013
O Tribunal do Porto ordena a integração do médico no quadro hospitalar.
2020
Sentença recusa pedido do hospital para reaver 9485 euros pagos em 2011 ao pediatra.
2021
Tribunal determina que ARS-Norte tem de indemnizar o clínico brasileiro.