Agentes são obrigados a adquirir fardamento em plataforma eletrónica, mas recorrem ao mercado negro.
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Cerca de dez fábricas têxteis e lojas de comercialização de fardas, situadas no Porto, em Lisboa e Santarém, foram apanhadas a produzir e a vender ilegalmente uniformes, acessórios, distintivos e insígnias destinados a elementos da PSP. A Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) apreendeu quase 53 mil euros em peças do fardamento.
Os polícias assumem que recorrem ao mercado negro, porque a única empresa autorizada a vender vestuário oficial da PSP não consegue responder, em tempo útil, às encomendas, justificam.
Foi a própria Direção Nacional da PSP e a empresa Latino, que gere a plataforma eletrónica na qual os polícias têm obrigatoriamente de comprar o fardamento, que denunciaram a venda ilegal de polos, calças, chapéus e coletes. As diligências levadas a cabo pela ASAE a partir daí identificaram cerca de dez fábricas e lojas dedicadas à contrafação. Umas produziam e as outras comercializam o fardamento policial.
Nas ações inspetivas realizadas esta semana, a ASAE apreendeu 4831 peças de uso exclusivo da PSP, entre uniformes, acessórios, distintivos e insígnias, no valor de 53 mil euros. Tudo pronto a ser vendido a polícias. Também instaurou processos de contraordenação por atos de concorrência desleal e uso de marcas ilícitas.
Ilegais têm "melhor qualidade"
O presidente do Sindicato Independente dos Agentes da Polícia, Carlos Torres, admite que os polícias recorrem a fábricas e lojas não autorizadas para comprar o fardamento. Explica, no entanto, que só o fazem devido "à incapacidade da empresa oficial de satisfazer, em tempo útil, as necessidades dos agentes". "A empresa não dispõe de stock e um chapéu de um chefe pode demorar seis meses a ser entregue", exemplifica.
Carlos Torres garante que se as calças, polos e insígnias do uniforme não forem comprados em estabelecimentos não oficiais, os "polícias não podem cumprir as regras do fardamento" e acabam por serem penalizados. Por outro lado, sustenta, o fardamento do mercado negro "tem, por vezes, mais qualidade do que aquele que é adquirido oficialmente".
Em 2016, uma portaria do Governo implementou a obrigatoriedade de os polícias comprarem todo o fardamento através de uma plataforma eletrónica. Contudo, este projeto só ficou concluído no final de 2018, já após a PSP ter celebrado um contrato com a Latino, confeção que passou a ser responsável por toda a produção de vestuário policial.
PSP informada
Confrontada pelo JN, a Direção Nacional da PSP foi parca em palavras. "A PSP teve conhecimento atempado da operação da ASAE, bem como da nota de imprensa que aquele organismo difundiu", disse apenas.
Atrasos nas entregas desde o início
Os polícias queixaram-se dos prazos de entrega logo que passou a ser obrigatório comprar a farda na plataforma eletrónica. Tal como o JN avançou, em maio de 2019, os agentes lamentavam, igualmente, a qualidade das peças de vestuário produzidos pela Latino. Mangas de camisola com diferentes tamanhos, tecido pouco resistente e até golas defeituosas de polos foram algumas das reclamações recolhidas pelo JN. A PSP desvalorizou as queixas e garantiu que das 18 440 peças expedidas através da plataforma até essa data só menos de 1% tinha sido alvo de reclamações.
218 euros é o valor aproximado de uma farda completa de um polícia. Este montante inclui polo, calças, botas, casaco e barrete usados por um agente no dia a dia.