Dos oito detidos pela PJ por participação no golpe apenas dois falaram ao juiz de instrução criminal. Alvo era paiol cheio de caixas de balas.
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Durante cerca de três meses prepararam o assalto ao pormenor. Escolheram o dia perfeito para roubar, mas só não sabiam em que paiol estavam dezenas de milhares de munições de 9 milímetros, alvo principal do golpe. O grupo de uma dezena de indivíduos, composto pelos oito detidos na segunda-feira pela Polícia Judiciária (PJ) e por João Paulino, preso aquando das detenções pela encenação da recuperação do arsenal, errou no alvo. Abriram um paiol que continha "apenas" 1450 munições. Precisavam delas para vender a quem já estaria na posse das 57 Glock furtadas à PSP em 2017. Há suspeitas de que pelo menos alguns deles tenham participado nesse furto. Na terça-feira, começaram a ser ouvidos no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa.
De acordo com informações recolhidas pelo JN, os indivíduos, que se conhecem desde a juventude e do mundo do tráfico de drogas, viram no furto das munições uma "oportunidade de negócio". Tal como o JN ontem noticiou, conseguiram, junto de um ex-militar que prestou serviço em Tancos, informações detalhadas sobre a segurança das instalações e sobre as suas falhas. Este indivíduo, que tinha um contrato a termo, já saiu, entretanto, do Exército.
Sem comprador
Como não deram com a quantidade de balas prevista, terão decidido levar o armamento que encontraram - granadas, explosivos, detonadores e lança-granadas anticarro -, mas para o qual não tinham comprador. E as 1450 balas, que terão sido logo despachadas para compradores estrangeiros que terão conhecido na noite algarvia e que estariam em Portugal para comprar as Glock.
Todas estas ligações vão agora ser apuradas pela investigação da Polícia Judiciária. Certo é que pelo menos quatro das 57 Glock roubadas à PSP, em Lisboa, já foram apreendidas em território espanhol. Outras quatro foram detetadas em Portugal, nas mãos de pessoas ligadas ao tráfico de droga.
O restante armamento esteve guardado, durante semanas, na casa de uma familiar de João Paulino, a 30 quilómetros de Tancos. O escândalo nacional e internacional à volta do caso fez o grupo temer ser descoberto e terá sido então que sugiram então os primeiros contactos com a Polícia Judiciária Militar (PJM) e com investigadores da GNR de Loulé.
Através de um outro arguido no processo, Paulo Lemos, conhecido como "Fechaduras", atualmente em liberdade, surgiu o primeiro contacto para a entrega das armas à PJM, em outubro do ano passado, na Chamusca. Depois, entra em cena João Paulino (hoje em prisão preventiva), que terá exigido que a PJ civil ficasse de fora de todo o processo que levou à encenação do achado das armas. Esta entrega daria origem à primeira fase da operação Húbris, de que resultou a detenção do então diretor da PJM (também em prisão preventiva), de outros quatro elementos daquela força e de três investigadores da GNR de Loulé, para além de Paulino.
Ontem, durante os interrogatórios no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, apenas dois dos oito detidos na operação do dia anterior decidiram falar sobre os crimes de que são suspeitos, incluindo, entre outros, terrorismo internacional. As medidas de coação não eram ainda conhecidas à hora do fecho desta edição.
Ministro da Defesa e Marcelo confiam na ação do MP
O ministro da Defesa manifestou-se confiante de que o Ministério Público (MP) está a cumprir o seu papel no caso de Tancos, sublinhando não ter qualquer informação adicional além daquela que "lê nas notícias". "Essa é uma matéria que compete ao Ministério Público desvendar e confio que estão a fazer o seu papel", afirmou, na madrugada de ontem, João Cravinho, à margem de um concerto solidário das Forças Armadas, no Porto. Também o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, remeteu resultados para o MP e reiterou que tudo o que for possível apurar "é fundamental para a democracia e o Estado de Direito".
Crimes
Os oito detidos estão indiciados por associação criminosa, furto, detenção e tráfico de armas, terrorismo internacional e tráfico de estupefacientes. Para já, há 18 arguidos no caso, três deles privados da liberdade.
Furto das Glock
O roubo das 57 armas da sede da PSP em Lisboa, em fevereiro do ano passado, está a ser investigado pela própria Polícia de Segurança Pública.
Inquéritos juntos
Os dois inquéritos, um sobre a recuperação encenada das armas e o do furto de Tancos, foram juntos num único.