Atendia doentes em casa e prescrevia produtos naturais: falsa psiquiatra de Braga escapa à cadeia
Tribunal de primeira instância suspende execução de pena de prisão aplicada por burla e usurpação de funções.
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O Tribunal Judicial de Braga condenou, faz hoje oito dias, a uma pena de prisão de quatro anos e oito meses, cuja execução foi suspensa, uma mulher que se fez passar, na cidade, por médica psiquiatra e por psicóloga, nomeadamente, para dar consultas a doentes.
A arguida, de 43 anos, enganou cinco pessoas, num dos casos em 36 mil euros, que lhe foram entregues para pagar um futuro internamento numa clínica em Madrid, Espanha, que nunca ocorreu.
O coletivo de juízes deu como provados um crime de burla qualificada e cinco crimes de usurpação de funções, tendo condenado igualmente a arguida ao pagamento de 39.500 euros a uma das vítimas: 36 mil euros a título de danos patrimoniais e 3500 de danos não patrimoniais.
A arguida, Ana Cristina Pereira, que é natural de Foz Côa, mas tinha residência em Braga à data dos crimes, terá recebido 44 mil euros só num dos casos, mas, entretanto, devolveria oito mil euros.
O coletivo de juízes do Tribunal de Braga impôs, ainda, a obrigação de a arguida receber os técnicos de reinserção social e de procurar, ativamente, emprego.
Em 2018, Ana Cristina Pereira, começou a passar a mensagem de que tinha trabalhado no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, e que ia chefiar o Departamento de Psiquiatria do Hospital de Braga.
Acabou por montar uma espécie de gabinete médico em casa, com artefactos e livros de Medicina, atendendo os cinco clientes identificados com uma bata com a inscrição do “Hospital de Santa Maria”.
Clínica espanhola fictícia
Conforme o JN noticiou, uma das pessoas com quem a falsa médica mantinha relações próximas transmitiu a outra mulher, da Póvoa de Lanhoso, a informação de que conhecia uma psiquiatra experimentada. Isto porque a mulher da Póvoa de Lanhoso tinha um filho, de 19 anos, que sofria de surtos psicóticos, o que se vinha revelando um fardo pesado para o próprio e para a família.
A mãe do jovem veio então a Braga e encontrou-se numa pastelaria com a arguida, que combinou com aquela que veria o doente na sua própria casa. Após a primeira consulta, receitou-lhe medicação à base de produtos naturais e aconselhou a mãe a retirar o filho da psiquiatria do Hospital de Braga, onde estava a ser acompanhado. E garantiu-lhe que os surtos iriam “acalmar”.
Noutra ocasião, disse à progenitora que havia em Madrid uma clínica com métodos terapêuticos alternativos, que recorriam a animais e à natação, que solucionariam os problemas do jovem. O internamento custaria 38 mil euros, uma verba que os pais pagaram em duas transferências bancárias para a conta da Ana Cristina Pereira.
Ficou ainda combinado que a mãe e uma irmã do jovem iriam a Madrid visitar a clínica, e, para tal, compraram os bilhetes de avião. No entanto, perto do dia da viagem, a falsa psiquiatra arranjou desculpas para que não o fizessem, pois a suposta clínica espanhola tinha adiado o internamento do jovem. Este continuou então a ser seguido pela arguida, com pagamentos por consulta, no total de seis mil euros, até março de 2019.
Em dezembro de 2018, o jovem teve um surto psicótico grave e foi internado de urgência no Hospital de Braga. Apesar disso, a arguida convenceu os pais a tirarem o filho do hospital, tendo, para isso, sido assinado um termo de responsabilidade.
Em janeiro de 2019, a irmã e o pai do jovem meteram-se no avião com destino a Madrid para irem à referida clínica. Chegaram à morada indicada e não havia lá nada. Aí, a suposta médica desfez-se em desculpas, dizendo que a clínica tinha mudado de sítio e que nem lhe atendia o telefone. A família do jovem percebeu então que tinha sido enganada e apresentou queixa às autoridades.
Defesa interpõe recurso
Apesar de tudo, a defesa da arguida vai recorrer para o Tribunal da Relação de Guimarães, para requerer uma redução da referida indemnização de 39 500 euros e ainda um desagravamento da pena de prisão suspensa, porquanto a arguida deve ser condenada não por cinco crimes de usurpação de funções, mas apenas por um na forma continuada, argumenta.
Consultas
Remédio forte para a doença errada
A arguida foi acusada de ter diagnosticado esquizofrenia a um homem e receitado ao mesmo o antipsicótico Risperdal. Mais tarde, soube-se que o homem, que pagou 75 euros pela consulta, sofria de depressão. Em julgamento, não se provou a prescrição do Risperdal.
Prescreveu produtos naturais e vitaminas
Outro dos ofendidos era uma mulher que tinha consultas semanais, por 60 euros, e a quem a falsa psiquiatra “prescreveu” vitaminas. Outro utente foi enganado com produtos naturais e consultas também a 60 euros.
Recebia em dinheiro e não passava recibo
Um lesado disse que pagou 2800 euros em notas, porque a arguida dizia que só poderia passar recibos quando estivesse a trabalhar no Hospital de Braga.