Auditoria às atividades da Santa Casa Global deteta "indícios de irregularidade"
A provedora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), Ana Jorge, adiantou, esta quarta-feira, que os resultados intercalares da auditoria externa ao negócio de internacionalização de jogos revelaram "indícios de irregularidade", que foram enviados este mês à PGR. O ministério do Trabalho foi também informado
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Ana Jorge adiantou que os resultados intercalares da auditoria à Santa Casa Global (o projeto de internacionalização da Misericórdia de Lisboa) revelaram "procedimentos que não cumpriram as normas em vigor e indícios de irregularidades". Numa audição no Parlamento, a requerimento do grupo parlamentar do PSD, a provedora revelou que enviou os "elementos disponíveis" à Procuradoria-Geral da República (PGR) a 18 de setembro, dando conhecimento também à ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho.
Questionada sobre quanto é que projeto de internacionalização de jogos sociais superou a autorização inicial da tutela, a responsável revelou que teriam sido autorizados apenas cinco milhões de euros, mas o "investimento que foi feito, neste momento, atinge o valor de 27 milhões de euros em transferências que já foram feitas".
Ana Jorge explicou que as irregularidades têm a ver com o facto de todos esses investimentos precisarem de uma autorização prévia da tutela, "mas não há evidência desses pedidos [posteriores]". Ana Jorge asseverou que este é um processo que "precisa naturalmente de ser analisado e investigado", pelo que será necessário aguardar pelo resultado final da auditoria para "perceber exatamente o que aconteceu". A responsável deu como exemplo o facto de ser preciso conhecer a realidade "confusa" da rede de negócio no Brasil.
A provedora da SCML prevê que a auditoria às atividades da Santa Casa Global - sobre a responsabilidade da empresa externa BDO - esteja terminada nos finais de outubro.
Recorde-se que o projeto em causa foi lançado ainda durante a antiga gestão de Edmundo Martinho. Em maio, o jornal "Público" deu conta de que o projeto em África e na América do Sul já tinha custado 20 milhões de euros, sem ter obtido receitas. Dadas as suspeitas de ilegalidades, a auditoria foi pedida pelo Governo em junho, bem como uma reavaliação de contas da Santa Casa relativos aos anos de 2021 e 2022 - após Ana Mendes Godinho ter garantido, na Assembleia da República, ainda em abril, que a tutela teria em curso uma "avaliação profunda" para as aprovar.
Ministra esclarece que não autorizou investimentos posteriores
Ouvida na audição seguinte - a requimento dos grupos parlamentares do PSD e do Chega -, a ministra esclareceu que não lhe foi pedida nenhuma outra autorização além daquela pedida em 2021 que visava a constituição da sociedade Santa Casa Global. A governante asseverou ainda que estabeleceu, em despacho, várias condições ao projeto para que este fosse feito "sem colocar em causa a sustentabilidade [económica financeira]" da SCML. Desde logo, a de que "todas as receitas devessem ser integralmente afetas aos fins e aos âmbitos estatutários da Santa Casa".
Segundo Ana Mendes Godinho, no despacho da autorização - que foi distribuído aos deputados durante a audição - estavam ainda estabelecidas como condições que a sociedade teria de "ter sede na União Europeia" e que "todos os investimentos fossem sujeitos a autorização da tutela".
Ana Jorge insistiu, por várias vezes, que o peso que este caso possa ter tido nas contas não se irão refletir nos compromissos assumidos pela instituição, garantindo que, apesar de neste momento a insituição enfrentar uma "situação económica "delicada", o orçamento para 2024 será equilibrado. A preocupação tem sido levantada desde que a provedora anunciou, em agosto, um corte "transversal" nas despesas, nomeadamente ao rever o plano de patrocínios às entidades desportivas. Entretanto, o Governo anunciou que irá completar parte do financiamento ao desporto previsto para o próximo ano.
Quanto à reavaliação de contas que está a desenvolvida pelos auditores da própria instituição, Ana Jorge garante que estará concluída em novembro. Em breve, esperam enviar a informação ao Tribunal de Contas (TdC).
Apesar dos auditores da própria instituição e os auditores externos não terem encontrado causas para os relatórios não serem aprovados, Ana Mendes Godinho reiterou que a reavaliação das contas foi uma "opção política" que decidiu tomar. Por um lado, para garantir que os despachos que emitiu, nesses dois anos, sobre a atividade da SCML foram compridos, e, por outro lado, para apurar exatamente quais as despesas que resultaram da pandemia e outras que possam precisar de ser avaliadas, explicou na audição.
Em relação à suspeita de irregularidades na contratação de pessoal externo, Ana Jorge admitiu que está a decorrer uma auditoria interna para apurar se as alegadas relações familiares - noticiadas pela revista "Sábado" - colocaram em causa a transparência dos processos. Serão, por isso, revistas todas as chefias para que, até ao final deste mês, possam ser reorganizadas, "com algumas terminando a sua comissão de serviço". A responsável salvaguardou que não estão previstos despedimentos, "a não ser que surjam razões de outra natureza para que isso possa acontecer".
Além do peso que o setor social e da saúde representaram devido à pandemia, Ana Jorge lembrou que o aumento das despesas da SCML durante os dois anos em causa deveu-se ainda à integração, com contrato de trabalho, de vários trabalhadores que prestaram apoio domiciliário e outros da Segurança Social.