O autarca Almeida Henriques escreveu uma carta a garantir que fábrica de quem lhe pagava avença de 1230 euros iria ser aprovada em breve em Viseu. O projeto urbanístico só entrou na Câmara dois meses depois.
Corpo do artigo
Almeida Henriques, ex-secretário de Estado do Governo PSD/CDS e atual presidente da Câmara de Viseu, é suspeito de ter usado o cargo de autarca para evitar que um empresário amigo devolvesse fundos comunitários. O autarca terá certificado à entidade gestora que José Agostinho tinha iminente a instalação de uma unidade fabril em Viseu, mas, na verdade, o projeto nem tinha entrado na Câmara.
Tal como o JN noticiou na quarta-feira, este empresário pagou a Almeida Henriques uma avença mensal entre março de 2010 e julho de 2018, através de uma sociedade gerida pela mulher, como suposta contrapartida de uso de influência para facilitar negócios.
11604702
O problema do empresário amigo de Almeida começou em 2015. José Agostinho apresentou candidatura ao programa de incentivos Portugal 2020. Queria instalar uma fábrica para produzir o equipamento Tomi, que viria a equipar as Lojas Interativas de Turismo, sob suspeita no âmbito da Operação Éter - que colocou o antigo presidente do Turismo do Porto e Norte em prisão preventiva.
Não cumpriu prazos
Agostinho avançou junto do Portugal 2020 com um pedido de perto de três milhões de euros e, em novembro de 2016, a entidade gestora dos fundos considerou elegível metade desse valor. Enquanto adiantamento desse montante, o empresário de Viseu recebeu cerca de 115 mil euros com o compromisso de implementar a unidade fabril até março de 2017.
21 arguidos e oito empresas foram acusados pelo Ministério Público por negócios
Mas surgiram atrasos na criação do projeto e José Agostinho não logrou cumprir os prazos de arranque. Em nome da Tomi World, o empresário apresentou um pedido de alteração da calendarização para poder concluir o projeto somente em maio de 2018. Só que a entidade gestora do Portugal 2020 recusou os argumentos, obrigando o empresário a devolver, a curto prazo, os 115 mil euros já adiantados.
O empresário entrou em incumprimento e o Programa Operacional Portugal 2020 esteve na iminência de revogar a concessão dos fundos comunitários. Em junho do ano passado, ainda antes de ser efetivada a revogação do apoio, José Agostinho foi informado de que tinha alguns dias para vir ao processo com novos argumentos. Foi aí que entrou em cena o autarca de Viseu.
De acordo com a investigação da Polícia Judiciária do Porto, o empresário alegava que os atrasos na implementação da fábrica prendiam-se com problemas urbanísticos que iriam, em breve prazo, ser resolvidos pela Câmara. Foi o próprio Almeida Henriques a passar ao empresário uma declaração de "conforto" em que alegava que o município estava comprometido com o projeto Tomi, considerando-o da maior importância para Viseu e a região Centro.
A declaração foi passada em julho de 2018, mas só no final de setembro é que deu entrada na Câmara um pedido de licenciamento de obras, que viria a ser aprovado dois meses depois.
As autoridades concluem, assim, que Almeida Henriques usou a Câmara e o cargo para fazer um favor ao empresário com quem tinha ligações pessoais há anos.
Saiba mais
Melchior e empresário
Melchior Moreira, atualmente em prisão preventiva, é acusado de corrupção, peculato, abuso de poder, falsificação de documentos e participação económica em negócio, envolvendo também o empresário José Agostinho.
Autarca visado reage
Almeida Henriques reagiu ontem através do Facebook: "Em relação a outros eventuais factos sob investigação, só me pronunciarei quando conhecer o que consta do respetivo processo, sendo certo que estarei sempre disponível para colaborar com a justiça e contribuir para o apuramento da verdade. Todavia, creio ser fundamental realçar que o princípio da presunção de inocência não deve jamais ser desrespeitado, seja quem for a pessoa, pelo que meras suspeições não devem nunca dar lugar a julgamentos na praça pública".