Bombeiro acusado de vender certificados de habilitações justifica-se com salários atrasados
O Tribunal de Lisboa começou a julgar esta terça feira 59 arguidos, incluindo três dezenas de bombeiros da corporação de Camarate, Loures, acusados de falsificação e venda de certificados de habilitações literárias do 12° ano. Em causa estão crimes de associação criminosa e falsificação de documentos.
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Entre os arguidos estão três bombeiros tidos como os mentores do esquema, mas também intermediários e compradores dos documentos que custavam entre 100 e 150 euros.
No início do julgamento, Mário Pessoa, um dos bombeiros tido como intermediário, admitiu a venda dos certificados, justificando-a com a existência de salários em atraso na corporação. "Tenho muita vergonha do que fiz, mas precisava do dinheiro para ajudar nas contas de casa. Vivia com a minha mãe e havia salários em atraso na corporação", disse. Acrescentou que entregava parte dos 150 euros aos três principais arguidos.
O bombeiro confirmou ter vendido certificados a arguidos neste processo, mas não ao comandante. "Ao Luís Martins não vendi nem ofereci nada", respondeu, quando questionado pelo advogado do comandante. Mário Pessoa saiu da corporação após o início da investigação pela Polícia Judiciária.
A juiz presidente do coletivo vai pedir à corporação informações sobre salários em atraso no período da prática dos crimes, entre 2014 e 2016.
Em tribunal, Luís Martins, arguido por receber o certificado quando era segundo comandante, confirmou atrasos durante um ano e meio, entre 2014 e 2015. Negou ter pago qualquer certificado e rasgou o documento quando este surgiu no seu gabinete.
A juiz leu ainda as declarações prestadas a juiz de instrução de Zélia Almeida, uma das principais arguidas que optou por não falar durante o início do julgamento. Tal como Mário Pessoa, disse na fase processual anterior que o fez por questões financeiras, alegou salários em atraso na corporação e admitiu ter entregue em mãos certificados falsos.
A acusação do Ministério Público (MP) refere que, entre 2014 e julho de 2016, três bombeiros da corporação de Camarate, Pedro Silva, Nuno Paredes e Zélia Almeida constituíram um grupo com vista à "elaboração e venda" de certificados de habilitações literárias do 12º ano de escolaridade, para permitir a terceiros "a obtenção de qualificações como bombeiros, técnicos de emergência médica e socorrismo e vigilantes de segurança privada". Os três não falaram no início do julgamento. Pedro Silva está no estrangeiro.
"Para a execução de tal plano criminoso, os três arguidos elaboravam certificados de habilitações literárias, alegadamente emitidos por estabelecimentos de ensino, utilizando um impresso idêntico ao utilizado por tais estabelecimentos, apunham o selo branco fabricado por Pedro Silva, de molde a replicar o utilizado por tal instituição, e apunham sobre o mesmo a assinatura de uma pretensa chefe de serviços", refere a acusação.
Para impressão dos "certificados de habilitações falsos", os três principais arguidos "utilizavam a impressora que ficava na sala de comando da corporação dos bombeiros de Camarate, utilizando igualmente o computador aí instalado para os elaborar", falsificando a assinatura da chefe de serviços do Externato São José - Agrupamento de Escolas de Sacavém, "pessoa que desconheciam quem fosse".
Paulo Bento, arguido no processo por comprar um certificado diz que o fez para melhorar a vida, candidatando-se com o documento falso ao INEM. "Falei com o Paulo Silva que me deu o certificado junto aos bombeiros de Camarate, tinha-o no carro e usei-o mais tarde para candidatar-me ao INEM como tripulante de emergência médica", afiançou em tribunal. O arguido disse que nessa altura, em 2015, trabalhava dia e noite pelo salário mínimo, tinha dificuldades financeiras e apesar de estar a tirar o 12° ano, "ia demorar um ano e meio para finalizar".
Pedro Guerreiro, bombeiro em Camarate e arguido também por adquirir um certificado junto de Paulo Silva negou a acusação em tribunal. "Sabia que isto mais cedo ou mais tarde ia dar buraco e por isso nunca aceitei nenhum certificado". O arguido conta que um dia chegou ao cacifo e tinha um certificado. "Rasguei-o, deitei para o lixo e fui confrontar o Paulo, ele sorriu e disse que se apareceu aproveitasse, mas não o fiz", avançou.
Em outras ocasiões, segundo o MP, os arguidos "recorriam aos seus colaboradores", também arguidos no processo, que eram bombeiros nas corporações de Camarate, de Carnaxide, no Zambujal e em São Martinho do Porto que, "sabendo do plano" criminoso, "entregavam e vendiam a terceiros os certificados" falsos, "recebendo uma comissão" pela intermediação.
Estes quatro bombeiros tinham como função "angariar "clientes/interessados" que sabiam carecer de habilitações literárias para aceder a determinada atividade profissional e mediante contrapartida monetária".