Há milhões de terrenos cujos proprietários não são conhecidos. Projeto do Governo pretende identificação de 90% até 2023.
Corpo do artigo
Quase todos os concelhos do Norte e Centro do país vão passar, este verão, a estar abrangidos pelo cadastro simplificado do território. O objetivo dos ministérios da Justiça e do Ambiente é que, até ao final de 2023, o Estado fique a conhecer 90% da área de 138 municípios localizados a norte do Tejo, onde as características de milhões de terrenos e a identidade dos seus donos são, há décadas, uma incógnita.
A iniciativa beneficia ainda os proprietários, que, durante quatro anos, poderão registar gratuitamente os prédios rústicos ou mistos, incluindo no Alentejo, Algarve, Açores e da Madeira.
"O projeto resulta de um problema antigo em Portugal, que é, a norte do Tejo, não existir cadastro do território. Tradicionalmente, o processo de cadastro era feito na lógica tradicional dos marcos. Como as áreas das propriedades são muito pequeninas e estamos a falar de propriedade privada, é muito difícil conseguir fazer um trabalho de forma articulada para que resulte", recorda, ao JN, Pedro Tavares, coordenador da estrutura da missão para a expansão do cadastro simplificado, testado inicialmente em dez municípios das regiões Centro e Norte, com resultados animadores.
Implementado após os incêndios de 2017 em Pedrógão Grande, que causaram 66 mortos e 254 feridos, o projeto-piloto abrangeu oito concelhos do Pinhal Interior - Figueiró dos Vinhos, Pedrógão Grande, Sertã, Góis, Penela, Castanheira de Pera, Proença-a-Nova, Pampilhosa da Serra - Caminha, no Alto Minho, e Alfândega da Fé, em Trás-os-Montes.
Em alguns, frisa Pedro Tavares, só 5% da área era conhecida, o que dificultou o planeamento de operações de combate aos fogos, ou de atribuição de responsabilidades na limpeza de terrenos em zonas de risco de incêndio. Um ano depois, passou a ser, naqueles municípios, de "mais de 50%".
O primeiro passo do projeto foi reunir, com o contributo de várias entidades públicas, toda a informação existente sobre o território. Depois, foi criada uma "plataforma eletrónica" - o Balcão Único do Prédio (BUPi) - que agregou aos dados mapas, nos quais os cidadãos identificaram, apoiados por técnicos municipais, os limites das suas propriedades. É este procedimento que, atualmente, abrange já 51 concelhos e que, até ao início de agosto, se expandirá a outros 80. Dos 152 municípios existentes a norte do Tejo, apenas 14 ficam, por agora, fora do cadastro simplificado.
Segundo Pedro Tavares, está a ser pensada forma de, também nestes últimos concelhos, os cidadãos conseguirem delimitar o seu prédio num mapa. Para tal, basta deslocarem-se à sua Câmara Municipal e, com o apoio de um técnico, identificarem os limites da sua propriedade. Em alternativa, poderão fazer, online, um esboço no BUPi (bupi.gov.pt). Em seguida, terão de ir a uma conservatória para registar, de graça, o prédio. A partir de julho, acrescenta o coordenador, esta deslocação poderá deixar de ser necessária.
O registo grátis está igualmente disponível para donos de terrenos a sul do Tejo, onde o território está já cadastrado. Neste caso, basta apresentarem numa conservatória a carta cadastral.
"Mesmo que implique uma atualização da área na caderneta predial, isso não implica qualquer penalização a nível de impostos", sublinha ainda Pedro Tavares.
Projeto-piloto
Até os padres apelaram à participação
Durante a fase-piloto do cadastro simplificado, os técnicos municipais chegaram a deslocar-se a lares de idosos, cafés e até igrejas para que os proprietários pudessem identificar os limites dos seus terrenos.
"Pedimos a alguns padres para falarem sobre a necessidade de fazerem este trabalho", conta o coordenador da estrutura da missão, que lembra ainda a componente tecnológica desta iniciativa, incluindo o recurso a drones. No total, está previsto que o programa receba, até 2026, 56 milhões de euros no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência, financiado pela União Europeia.
Números
8 milhões de matrizes no Norte e Centro do país, às quais correspondem somente 2,5 milhões de registos prediais. A sul do Tejo, há três milhões de matrizes.
139 mil representações gráficas feitas durante o projeto-piloto, que abrangeu apenas dez dos 152 municípios onde não existe qualquer cadastro do território.
24 milhões de euros atribuídos a 138 municípios do Norte e Centro para porem e formarem técnicos e apetrechamento com os meios tecnológicos necessários.
Entrevista
Que importância tem este programa para a política do território?
Nunca conseguimos, a nível nacional, ter uma visão clara daquilo que é o território, de quem é a propriedade e de como é que podemos gerir melhor este território. A grande importância deste projeto está ligada à capacidade de acelerarmos o processo de identificação da propriedade e de podermos usar as tecnologias para aquilo que servem: permitir dar melhor informação aos cidadãos e à administração e dela tirar valor para o território.
Como poderá, no final do programa, ser retirado esse valor?
Toda esta informação vai permitir criar uma mais-valia daquilo que vai ser, para os municípios, o conhecimento dos seus próprios planos, da sua própria prevenção de incêndios, dos projetos associados à organização do território; e, para a administração central, ter acesso a informações que antes não tinha. Se queremos tirar valor da floresta e do nosso território, se queremos criar uma visão económica de futuro com novas formas de gerir, também precisamos de conhecer.
Acredita que conseguirão mobilizar os cidadãos a participar?
Acredito firmemente. Na experiência que tivemos [na fase-piloto], tínhamos todo o tipo de respostas. O cidadão que era o proprietário mais antigo, que dizia "por fim vou conseguir deixar para os meus filhos uma situação que não vai ser de drama, vou deixar as coisas como deve ser e estou feliz". Depois tínhamos também muitas pessoas que, sendo descendentes, não sabiam onde é que estava a área. "O meu avô deixou-me isto, mas não faço ideia de onde é que é". Quando falamos da terra sem dono, o que podemos dizer é que ela existe, tem um nome antigo, mas não se sabe quem é o proprietário. Esse é o grande trabalho a alcançar e é o próprio cidadão que está desejoso que isso aconteça.