Luís Marques, camionista de Celorico de Basto, confessa que chegou "ao ponto de querer morrer", quando esteve preso na Grécia, por suspeita de tráfico humano.
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O motorista de pesados que esteve preso na Grécia de 10 de janeiro a 23 de abril, por terem sido detetados quatro imigrantes ilegais no camião que conduzia, apenas foi libertado depois de o patrão prestar uma caução de mil euros à justiça grega. Na quarta-feira, Luís Marques, de 49 anos, recebeu o JN em casa, no lugar de Várzea, freguesia de Agilde, onde já se encontra junto da família, mas ainda sem saber como lidar com a vida.
Como é que se viu envolvido neste enredo?
Foi horrível, fiquei muito surpreendido quando vi a Polícia com um cão à volta do camião e uma carrinha com um raio laser a detetar quatro pessoas lá dentro junto com a mercadoria.
Antes da descoberta dos migrantes no camião, não houve sinal que algo poderia estar errado?
Não, simplesmente, do dia 8 para 9, às quatro da manhã, ouvi um barulho e saí do camião. Ao chegar à traseira, encontrei o "cabo tiller" rebentado, porta aberta e três indivíduos negros a correr pela estrada abaixo. No dia 9, regressei ao porto e vi um polícia costeiro, tentei falar com ele, mas como eu não falava grego, não quis falar comigo.
Continua a reafirmar a sua inocência neste caso?
Confirmo e reafirmo, não faço a mínima ideia de como eles foram lá parar.
Esteve detido mais de três meses, quer descrever que dias foram esses?
Fui preso na Polícia costeira, onde estive oito dias, numa pequena cela que só tem um buraco para fazermos as necessidades, sem tomar banho e à fome. Só ao quarto dia é que me deram comida, e tinha de a pagar. Dava-lhes 10 euros a troco de duas sandes de batatas! Sofri muito. Chorava todos os dias.
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Sentiu-se maltratado?
Muito. Não tinha assistência nenhuma, não deixavam falar com a família... Estive oito dias de quarentena naquilo que eu chamo um canil - tenho aqui uns cães que estão mais bem estimados - nos fundos da Cadeia de Amfissa, cheios de água no chão e sem roupa para dormir.
Teve dinheiro para suportar a alimentação, telefone, etc.?
Tive, porque a minha mulher transferia o dinheiro. Gastei mais de 2500 euros.
Sentiu-se abandonado pelas autoridades portuguesas?
Muito. O que sabia da minha situação era, sobretudo, através da minha mulher. Nunca tive um tradutor. Senti-me muito desprezado.
O que é que lhe passou pela cabeça?
Cheguei ao ponto de querer morrer. Disseram-me que o meu cartão de cidadão não era válido. Aí, pensei em tudo. Se tivesse lençóis na cela, tinha feito um atilho e esganava-me [emociona-se].
O cartão de cidadão não era válido?!
Não reconheciam o meu cartão de cidadão. Exigiam o passaporte. Mais tarde, após insistência junto da Embaixada, o Sr . João Mendes levou-me um visto de viagem. Só assim é que autorizaram a minha saída para o dia 23.
O presidente da República tem origens em Celorico de Basto. Ele foi conhecedor da situação, intercedeu a seu favor?
Ele foi conhecedor da situação, mas aquilo que ele nos disse, nós já o sabíamos. Quando cheguei ao aeroporto de Lisboa e vi a minha família foi uma emoção muito grande, mas ao mesmo tempo foi triste não estar ninguém das autoridades portuguesas para receber um cidadão português. Eu sei que sou pobre... [emociona-se]
Como está a lidar com esta situação?
Tenho muitos pesadelos. Tenho vergonha de sair à rua com aquilo que me aconteceu. Tenho uma família com cinco filhos que têm o meu nome. Com 49 anos de idade nunca tinha entrado num tribunal. Tenho a minha cabeça muito pesada.