Médico alegou que não fez cesariana de urgência devido a regulamento do Hospital de Setúbal, mas foi acusado de homicídio negligente em caso de apresentadora de televisão.
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O Ministério Público de Setúbal apoia-se no parecer do Instituto Nacional de Medicina Legal (INML) e em testemunhos de colegas de um médico obstetra do hospital de Setúbal para o acusar da morte da bebé da apresentadora de televisão Sara Santos, durante o parto, em fevereiro de 2018. Os peritos explicam que, perante um feto com 30 semanas com braquicardia, a "legis artis" (práticas recomendadas) da obstetrícia obrigava à realização de uma cesariana de urgência, reanimação com recurso a socorristas do INEM e transferência para outro hospital com Unidade de Cuidados Intensivos (UCI), o que não aconteceu. A bebé acabou por falecer no útero.
Sara Santos deu entrada na Urgência de obstetrícia do hospital de São Bernardo, às 15.25 horas, com tensão alta e náuseas, mas não estava em trabalho de parto. Os exames feitos ao feto com 30 semanas de gestação revelaram que Sara se encontrava em pré-eclâmpsia e que o feto estava em sofrimento. Tal estado exigia uma cesariana de urgência para reanimação, mas a intervenção só ocorreu quatro horas depois.
Médico invoca regulamento
O médico alegou, no Ministério Público, que não fez a cesariana de urgência devido a regulamentos adotados no hospital de Setúbal para partos abaixo das 34 semanas, optando por medicação para estabilizar a grávida e o bebé até à transferência para outro hospital. Diz o clínico, nas declarações no processo a que o JN teve acesso, que "não existe UCI de neonatais no hospital de Setúbal e, perante um quadro de sofrimento fetal sem diagnóstico até às 34 semanas, a grávida deve ser transferida para outra unidade hospitalar que tenha esta valência".
Perante a demora na transferência, o médico reuniu com especialistas de anestesia e neonatologia e avançou para a cesariana, pelas 19.20 horas, mas o bebé já tinha falecido.
Peritos relativizam UCI
Os peritos do INML consideraram "irrelevante" o hospital ter ou não cuidados intensivos neonatais e explicaram ao MP que se o profissional tivesse adotado a conduta indicada pela "legis artis" "teria com grande probabilidade evitado a morte da bebé".
O MP reuniu testemunhos de profissionais que acompanham o caso no hospital. Uma enfermeira especialista no serviço afirmou que perante resultado do CTG (um exame que monitoriza os batimentos do coração do bebé no útero) que mostrava sinais pouco tranquilizadores, o médico disse-lhe para medicar a grávida para a tensão e dor e realizar novas análises. Só depois, com os novos resultados, iria para o bloco de partos ou seria transferida para outro hospital.
Foi esta enfermeira que pediu depois ao médico para realizar nova ecografia e foi com esse resultado que Sara foi para o bloco de partos. Aqui, já o bebé não apresentava sinais de vida.
Outra enfermeira que atendeu Sara na triagem contou que "o médico nada disse" ao saber do resultado do CTG. A profissional saiu do serviço pouco depois de atender Sara, mas testemunhou que, "da [sua] experiência de 27 anos, o feto não estava realmente bem".
Com estes esclarecimentos, o MP decidiu acusar o médico da prática do crime de homicídio negligente.
Pormenores
Ordem dos Médicos arquivou caso
O Conselho Disciplinar Sul da Ordem dos Médicos considerou que o médico não violou a "legis artis" e concordou com a sua avaliação de que foi "confrontado com uma situação clínica na sua fase terminal". Por isso, propôs o arquivamento do processo ao Conselho Superior, que vai agora tomar a sua decisão.
Sara foi à Urgência seis dias antes
Sara Santos deslocou-se à Urgência do hospital no dia 31 de janeiro, seis dias antes da morte do feto. Nas análises feitas, nada apontava no sentido de existirem problemas com o bebé, nem de pré-eclâmpsia, com que deu entrada no hospital seis dias depois.