Militares altamente especializados e tecnologia a três dimensões são algumas das razões para o sucesso em centenas de casos.
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Miguel Peliteiro, 24 anos, seguia de bicicleta na ciclovia Póvoa-Famalicão quando, em maio, foi colhido por um carro cujo condutor fugiu de imediato, abandonando o estudante de Medicina sem auxílio. Ninguém viu o atropelamento e Miguel só seria socorrido por um solitário caminhante, mais tarde.
Já com o ciclista sujeito a uma delicada operação ao braço e em coma induzido numa cama de hospital, o pai recorreu à Internet para solicitar informações que pudessem levar à identificação do condutor. Tentativa que não surtiu qualquer efeito prático. Apenas o trabalho levado a cabo pelos militares do Núcleo de Investigação Criminal de Acidentes de Viação (NICAV) do Porto da GNR permitiu descobrir a viatura abandonada e, três dias depois do atropelamento, que o condutor tinha 33 anos, residia em Laundos, na Póvoa de Varzim, não tinha carta de condução e circulava num carro furtado.
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Esta foi uma das 89 intervenções realizadas pelo NICAV em todo o país, de 1 de janeiro a 31 de março deste ano, período em que foram concluídos 170 inquéritos, alguns dos quais com início no ano anterior. Em 2019 houve 778 investigações, enquanto os inquéritos terminados chegaram aos 925. Em ambos os anos a taxa de sucesso - processos concluídos com a causa do acidente apurada - foi superior a 95%.
Um número quase perfeito, tendo em conta que a GNR dispõe de um NICAV por distrito, com exceção de Lisboa e Setúbal onde existem duas estruturas em cada um. Nestes núcleos há um total de 120 militares dedicados em exclusivo à tarefa de investigar as causas dos acidentes rodoviários em que se registem mortes no local ou durante o transporte das vítimas para o hospital.
Analisar, fotografar, intuir
"O NICAV do Porto é o maior do país. Somos o único núcleo com nove elementos", refere, ao JN, o cabo Vítor Teixeira. Os 163 processos concluídos em 2019 e os 20 que estão a ser trabalhados este ano justificam a dimensão.
Foi, aliás, do Quartel do Carmo - a "casa" do NICAV situada no centro da cidade portuense - que os militares partiram para a Póvoa de Varzim, onde o estudante de Medicina foi colhido, no caso antes referido. Quando ali chegaram, cumpriram um protocolo que é sempre seguido à risca. "Tentamos perceber a dinâmica do acidente para fazer a sua reconstituição e chegar à verdade", explica Vítor Teixeira. Com 24 anos de serviço, 15 dos quais como elemento do NICAV, o cabo da Guarda revela que a primeira função dos investigadores passa por "preservar os meios de prova com o isolamento do local". Segue-se um "relatório fotográfico pormenorizado" que permita "sinalizar todos os vestígios" para, em fase posterior, "tentar contar uma história com imagens". A avaliação da sinalização existente no local, a análise das condições da via e a atenção a pormenores como a altura do sol na altura do embate (que pode ter sido causado por um encandeamento) são, igualmente, essenciais para o sucesso da investigação.
Assim como são fundamentais a deteção de uma eventual anomalia nos veículos envolvidos e as medições das marcas deixadas pelos pneus no asfalto. "Estas marcas, de travagem, derrapagem ou impacto, podem dar muitas informações sobre o que aconteceu. Podemos calcular, por exemplo, a velocidade a que circulava a viatura e qual o local do impacto", descreve Vítor Teixeira. "Efetuamos ainda um exame às vítimas para estabelecer compatibilidade entre as lesões que apresentam e as causas do acidente", acrescenta o técnico, para quem "a intuição" de quem investiga também é um fator essencial para a descoberta da verdade.