A companheira de um dos dois irmãos iraquianos que começaram a ser julgados, em Lisboa, por terem alegadamente pertencido ao Estado Islâmico (EI) garantiu esta quarta-feira, em tribunal, que nunca detetou qualquer sinal de radicalismo no seu parceiro e que este tinha “receio” de regressar ao país natal.
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“Se eu tivesse, alguma vez, tido algum indício de que ele pudesse constituir um perigo, seria eu a primeira a denunciá-lo”, afirmou, na primeira sessão do julgamento, Ana F., de 59 anos, namorada de Ammar Ameen desde 2020. O arguido, de 36 anos, chegara a Portugal em março de 2017, na companhia do irmão dois anos mais novo, Yaser, ao abrigo de um programa de recolocação de refugiados.
Durante 18 meses, residiram, com o apoio do Conselho Português para os Refugiados e da Câmara Municipal de Oeiras, num apartamento em Paço de Arcos. Ammar Ameen teria então um “ascendente” sobre o irmão.
Exemplo disso, assegurou um elemento do Conselho, foi a forma como o arguido mais novo rejeitou, findo o período de alojamento, acalmar o irmão. “Eu não posso fazer isso, porque ele é o meu irmão mais velho e ele é que manda”, justificou então, segundo a testemunha, Yaser Ameen, “sempre mais conciliatório” durante o processo de integração.
Bem distinta seria a postura de Ammar Ameen, que, sublinhou, por sua vez, uma funcionária municipal de Oeiras, “desvalorizava” o trabalho feito pelas profissionais que o apoiavam, por serem mulheres. “Uma vez disse-me que, quando era pequeno, gostava de desmanchar carros para ver como era o funcionamento por dentro e agora gostava de desmanchar uma mulher para ver como ela funciona por dentro”, exemplificou.
Diziam ser "sobrinhos de Saddam"
Já sobre a sua vida no Iraque, terão dito apenas “que tinham posses e eram sobrinhos de Saddam Hussein”, ex-presidente do país. A companheira de Ammar Ameen tem, por sua vez, ideia que pertenciam à “classe média-alta”. Sobre eventuais ligações da família ao EI, Ana F. nada sabe.
Esta quarta-feira, só esta depôs com os arguidos na sala de audiências, numa sessão que ficou ainda marcada pela renúncia à sua defesa, em pleno julgamento, do advogado que os representava, Vítor Carreto. Os irmãos, que para já ficaram em silêncio, acabaram por ser representados nas inquirições, contra a sua vontade, por dois causídicos oficiosos, sem conhecimento do processo.
Ammar e Yaser Ameen, presos preventivamente na cadeia de alta segurança de Monsanto desde setembro de 2021, respondem por crimes de guerra e adesão a organização terrorista, presumivelmente cometidos no Iraque, entre 2014 e 2016.
"Não acreditam na Justiça portuguesa e não reconhecem os tribunais portugueses como competentes para julgar este processo", afirmou, antes de abandonar a sala de audiências, Vítor Carreto.
O julgamento prossegue amanhã, quinta-feira, no Tribunal Central Criminal de Lisboa.