Órgão de disciplina dos juízes vai averiguar se o magistrado cometeu infrações graves ao anular decisões de Carlos Alexandre. Caso começou num processo relacionado com Isabel dos Santos, mas pode chegar à queda do BES/GES.
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O Conselho Superior da Magistratura (CSM) confirmou, esta sexta-feira, que abriu um procedimento disciplinar ao juiz Ivo Rosa, do Tribunal Central de Instrução Criminal, para averiguar se este cometeu uma infração grave ao anular um despacho de Carlos Alexandre, igualmente colocado no chamado "Ticão", num processo relacionado com a empresária angolana Isabel dos Santos. Em causa poderá estar a "interferência ilegítima na atividade jurisdicional de outro magistrado", desrespeitando o "dever de obediência à Constituição e à lei".
A instauração do procedimento, noticiado na quinta-feira pelo "Expresso" e "Observador", foi decidida por unanimidade a 24 de fevereiro de 2022, dias antes de aquele semanário ter tornado público que o juiz desembargador Abrunhosa Carvalho, do Tribunal da Relação de Lisboa, defendera, numa declaração de voto, que deveria "ser dado conhecimento" ao CSM das "vicissitudes dos autos" relatados no acórdão que proferira com outro magistrado.
Anulações mútuas
Segundo o "Expresso", as "vicissitudes" remontam a 2021, quando Ivo Rosa determinou, no âmbito de um inquérito em curso, que fossem arrestadas as contas de uma empresa da mulher de Mário Leite da Silva, o principal gestor de negócios de Isabel dos Santos. Três meses depois, Ivo Rosa ouviu testemunhas ligadas à empresa e decidiu suspender o congelamento de contas. Mas o Ministério Público reclamou e, a 19 de julho de 2021, com Ivo Rosa de férias, a contestação foi apreciada pelo juiz de turno, Carlos Alexandre, que deu sem efeito os ofícios do colega.
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No mês seguinte, Carlos Alexandre executou outros despachos. Mas, quando Ivo Rosa regressou, a empresa apresentou um requerimento a pedir a anulação das decisões que aquele tomara. Ivo Rosa declarou a invalidade dos atos praticados pelos juízes de turno e ordenou o levantamento do arresto. O Ministério Público não se conformou e o caso chegou então ao Tribunal da Relação de Lisboa, culminando na declaração de voto de Abrunhosa Carvalho.
A situação passou então a ser acompanhada pelo CSM, que, por fim, determinou a abertura de um procedimento disciplinar a Ivo Rosa. Já a Carlos Alexandre não foi instaurado qualquer processo, adiantou esta sexta-feira, ao JN, fonte oficial do órgão de gestão e disciplina dos juízes.
Novamente censurado
Certo é que, a 8 de março de 2022, Ivo Rosa voltou a ser criticado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por ter anulado, sem o poder, uma decisão de Carlos Alexandre, desta vez no processo principal da queda do BES/GES. Em causa está o cancelamento, por Ivo Rosa, do arresto de uma conta bancária, avaliada em 700 mil euros, titulada pela mulher do ex-presidente do Banco Espírito Santo (BES), Ricardo Salgado.
Pronunciando-se sobre um recurso interposto pelo Ministério Público, os juízes desembargadores Vieira Lamim e Artur Vargues alegam que Ivo Rosa "assumiu o papel de instância de recurso que não lhe cabe, pronunciando-se sobre o mérito da decisão impugnada proferida pelo colega que o antecedeu na titularidade do processo, quando as questões suscitadas pela parte vencida nessa decisão deviam ser apreciadas pelo tribunal superior".
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Ivo Rosa assumiu, no final de outubro de 2021, a instrução do processo principal da queda do BES/GES que, durante a fase de inquérito, fora tramitado por Carlos Alexandre. Só desde 4 de janeiro de 2022 é que o "Ticão", localizado em Lisboa, passou a ter mais magistrados em funções.
Por enquanto, não é claro se o levantamento do arresto de uma conta da mulher de Ricardo Salgado também é objeto do procedimento disciplinar. Na nota emitida esta sexta-feira, o CSM invocou a confidencialidade do caso para não prestar mais pormenores sobre o processo. Ficou por esclarecer, designadamente, se o magistrado já foi, ou não, notificado da abertura do procedimento disciplinar.
Ivo Rosa encontra-se, desde 21 de fevereiro de 2022, de baixa médica. A previsão é de que, a 29 de março de 2022, dê início às inquirições e interrogatórios agendados no âmbito da instrução do processo principal da queda do BES/GES, ocorrida em 2014. O processo conta com 30 arguidos, incluindo Ricardo Salgado.