Armamento comprado em países do Leste através da Internet chega às organizações criminosas em simples encomendas postais. PSP está a construir Banco de Provas para combater tráfico de armas em Portugal.
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A compra de armas de fogo no mercado negro internacional já não é feita em negócios cara a cara. Agora, as organizações criminosas portuguesas compram as pistolas através da Internet, em países como a Eslováquia, República Checa e Bulgária, e recebem a encomenda postal em casa.
Esta mudança de paradigma está plasmada no Estudo Global do Tráfico de Armas 2020, do Gabinete das Nações Unidas Contra a Droga e o Crime. "Os traficantes usam métodos em que seu envolvimento físico é reduzido e que pode ser visto como menos arriscado. Os traficantes de alguns países usam a Internet aberta ou a Darknet [Internet clandestina usada por criminosos] para o tráfico de armas de fogo. Isso incluiu a Eslováquia, a Espanha, a Líbia e, em particular, Portugal, onde foram detetadas transações ilegais originárias da União Europeia", descreve o relatório das Nações Unidas.
Ao JN, o superintendente Pedro Moura, diretor do Departamento de Armas e Explosivos (DAE) da PSP, confirma o esquema. "As armas [chegam a Portugal] por uma empresa de correio expresso/transportador internacional de mercadorias, que as trazem em encomendas postais ou encomenda normal, expedida pelo armeiro na Eslováquia, após ter sido adquirida e paga na Internet", explica. Este alto responsável acrescenta que subsistem, porém, casos em que "os próprios compradores se deslocam à Eslováquia, fazem a sua aquisição e trazem as armas consigo ou nas suas viaturas". De uma ou outra forma, as armas acabam por ser transformadas e "vendidas a grupos criminosos, nacionais e estrangeiros".
Pedro Moura sabe do que fala, pois foi o seu DAE que, em maio, concluiu uma investigação de 22 meses com a detenção de três traficantes e a apreensão de 23 armas de fogo, durante a segunda fase da "Operação Flobert" (no total foram detidas sete pessoas, duas de nacionalidade ucraniana e chinesa, e apreendidas 176 armas). Já em 2017, a "Operação Detonadora", também desencadeada pela PSP, nos distritos do Porto, Braga e Vila Real, desmantelava um esquema através do qual as armas eram encomendadas facilmente em sites estrangeiros, a preços "acessíveis", e chegavam a casa dos destinatários, em Portugal, através de empresas de transportes expresso, sem controlo das autoridades.
Traficantes de droga armados
Já na semana passada, foi a Polícia Judiciária que deteve um homem de 60 anos, com licença para a prática de tiro desportivo e registado como colecionador, que vendia armas ilegais para todo o país. Na operação "Ferro e Fogo" foram apreendidas mais de 100 armas, detidos mais dois indivíduos e constituídos 11 arguidos, todos suspeitos de tráfico de armas.
O estudo das Nações Unidas revela, igualmente, que em dois anos foram apreendidas em Portugal 668 armas em casos de tráfico de drogas, o número mais elevado em toda a Europa. Portugal também se destaca na quantidade de armas apreendidas com o número de série original rasurado ou alterado. Entre 2016 e 2017, foram detetadas 1275 armas com estas características.
O Estudo Global do Tráfico de Armas releva ainda, em Portugal, "um número elevado" de armas de alarme convertidas em armas de fogo" e "a modificação de espingardas, cujos canos foram cortados".