A acusação do Ministério Público (MP) por alegada corrupção no negócio milionário de fornecimento de plasma sanguíneo a instituições de saúde transformou-se, esta sexta-feira, num processo sobre a entrega de três cabazes de Natal, em 2013 e 2014, pela farmacêutica Octapharma, então gerida por Paulo Lalanda e Castro, a Luís Cunha Ribeiro, à data presidente da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo e antigo presidente do INEM, e a uma médica.
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Dos mais de 50 crimes imputados a sete arguidos, incluindo abuso de poder e branqueamento, só oito resistiram, na instrução, à análise do juiz Ivo Rosa, do Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa.
Lalanda e Castro foi pronunciado por um crime de falsificação de documento, na forma tentada, e três de oferta indevida de vantagem; Cunha Ribeiro por um de falsificação de documento, na forma tentada, e dois de recebimento indevido de vantagem; e Manuela Carvalho por um de recebimento indevido de vantagem.
A tentativa de falsificação está relacionada com a simulação de uma dívida para ocultar outros atos. Já a oferta ou recebimento indevido de vantagem decorrem da entrega dos três cabazes, cada um no valor de 500 euros - mais 475 euros do que as ofertas que os médicos estão autorizados a aceitar.
Os restantes quatro arguidos foram ilibados de todos os crimes. A decisão é passível de recurso, mas, para já, ainda nem é certo que mesmo os atos validados esta sexta-feira sigam para julgamento.
Suspensão equacionada
Em causa está o facto de os ilícitos que sobraram serem puníveis com pena até cinco anos de prisão, o que permite a suspensão provisória do processo, mediante, por exemplo, um pagamento.
No debate instrutório, Cunha Ribeiro já se tinha proposto a pagar a 24 300 euros e Lalanda e Castro 500 mil, numa solução que, então, foi parcialmente admitida pelo MP. Só que, como tal se baseou nos pressupostos da acusação e não da pronúncia, a procuradora pediu dez dias para tomar uma posição. Só depois Ivo Rosa finalizará a leitura da decisão instrutória do processo "O-Negativo", numa data a agendar.
Estado sem "prejuízo"
Esta sexta-feira, o magistrado concordou com as procuradoras da instrução que, a ter existido, a corrupção seria para ato lícito e não ilícito, sublinhando que o MP nem sequer invocou "qualquer prejuízo para o Estado" nos contratos para fornecimento de plasma celebrados na sequência de concursos realizados em 1998 e 2000.
Segundo Ivo Rosa, o crime ter-se-ia, contudo, consumado aquando da alegada promessa, em 1998, e, por isso, já prescreveu. "Já se encontrava prescrito aquando da abertura do inquérito", acrescentou. O processo foi aberto em 2015. A acusação foi deduzida em 2019.
GREVE
Juiz comunicou decisão sem oficial de justiça na sala
Ivo Rosa comunicou a decisão sem a presença na sala de um oficial de justiça, devido à greve em curso. Tal só foi possível por não ser obrigatório a leitura ser gravada. O juiz justificou a decisão com o facto de integrar atualmente o coletivo de um julgamento no Tribunal Penal Internacional, em Haia (Países Baixos), e não ter outro dia para se deslocar a Lisboa. "Não foi com intenção de obstaculizar [a greve]", assegurou.