Promotor disse no tribunal ter-se sentido "extorquido" pelos políticos que acusa de terem exigido dinheiro para acelerar licenciamentos.
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Francisco Pessegueiro admitiu ontem no Tribunal de Espinho que praticou a generalidade dos factos de que é acusado. Porém, inverteu a narrativa do Ministério Público (MP). Não foi corruptor. Diz que foi extorquido pelos ex-autarcas espinhenses e até comparou a abordagem de que foi alvo a um assalto à sua própria casa.
O empresário disse que, quando Pinto Moreira ainda era presidente da Câmara de Espinho, este o convidou para tomar um café para discutir três projetos que o construtor queria ver aprovados: um lar, um hospital e um hotel. No café Eleven, o autarca disse-lhe que "para fazer as démarches políticas, seriam necessários 25 mil euros para o lar, 25 mil euros para o hospital. Para o hotel não conseguia quantificar porque era muito problemático devido à zona", contou.
Pessegueiro diz que se sentiu "sem alternativa". Se não pagasse, "a probabilidade dos meus projetos ficarem na gaveta era muito grande", por isso aceitou. "Foi o mesmo que me assaltarem a casa, apontarem uma arma à cabeça das minhas filhas e dizerem dá-me tudo ou mato-as", comparou.
O empresário disse que ficou "atónito" e contou os pedidos de Pinto Moreira e também do seu sucessor, Miguel Reis, ao arquiteto João Rocha. "Depois disseram-me que era normal". Para o empresário, as "démarches" prometidas seriam para agilizar o processo, "nada de ilícito". A partir daí, o autarca "passou a acompanhar os projetos e a trocar mensagens com o arquiteto".
Porém, ao contrário do que sustenta a acusação, Pessegueiro garante que nunca entregou qualquer quantia a Pinto Moreira. E que ele também nunca lhe exigiu o dinheiro, pois "os projetos foram aprovados, mas não foram vendidos".
A procuradora do MP confrontou o empresário, gerente de uma cadeia de talhos, com uma troca de mensagens no dia seguinte à aprovação - em menos de um mês - do projeto Urban 32.
Bifes eram carnes
O promotor Paulo Malafaia, seu parceiro e angariador de clientes, pergunta-lhe "quanto queres em bifes" e Pessegueiro responde: 50 quilogramas. No dia seguinte, marca um encontro com Pinto Moreira. Era código para dinheiro, questionou a procuradora? "Eram mesmo bifes e carnes", assegurou Pessegueiro.
Sobre um encontro num café em São Félix da Marinha em que, segundo a acusação, terá entregado 50 mil euros a Pinto Moreira, Pessegueiro disse que não se recorda. "Não sei se falamos de projetos. Não faço ideia. Sei que não faz sentido eu fazer transporte de dinheiro. Nunca na vida. Palavra de honra", jurou.
O depoimento do empresário é retomado esta manhã.
Pormenores
Recebia seis mil mensais
Francisco Pessegueiro recebia salários de dois mil euros dos talhos e 850 euros do restaurante. Ainda recebia, tal como as suas irmãs, umas "ajudas" mensais de dois a três mil euros por parte do pai.
Gozaram Pinto Moreira
Numa SMS, Pessegueiro disse a João Rodrigues (arquiteto) que viu Pinto Moreira, já deputado. "Está mais gordo e de perinha, tipo conde", escreveu, acrescentando: "o $$ [dinheiro] faz milagres". Em tribunal, não explicou os cifrões, mas admitiu que fez chacota do ex-autarca.
Defesas de Pessegueiro e Malafaia reagem
João Medeiros, o advogado de Francisco Pessegueiro, confirmou a generalidade dos factos da acusação, mas quis retificar "determinadas incorreções": o empresário estava em "estado de necessidade", nunca requereu qualquer ato contrário à lei, os montantes não foram os referidos, não teve qualquer benefício e não lesou qualquer interesse público. Já Pedro Alhinho, advogado de Paulo Malafaia, criticou os 24 meses de escutas feitas ao seu cliente, sem qualquer consequência processual, escutas que são "mera devassa da vida privada, ainda que legitimada por sucessivos despachos".
Os acusados
Joaquim Pinto Moreira
Ex-presidente da Câmara
2 crimes de corrupção passiva
1 crime de tráfico de influência
1 crime de violação de regras urbanísticas
Miguel Reis
Ex-presidente da Câmara
4 crimes de corrupção passiva
5 crimes de prevaricação
Francisco Pessegueiro
Empresário
8 crimes de corrupção ativa
1 crime de tráfico de influência
2 crimes de violação de regras urbanísticas
5 crimes de prevaricação
Paulo Malafaia
Empresário
8 crimes de corrupção ativa
1 crime de tráfico de influência
2 crimes de violação de regras urbanísticas
5 crimes de prevaricação
José Costa
Ex-chefe de departamento da Câmara
1 crime de corrupção passiva
5 crimes de prevaricação
1 crime de violação de regras urbanísticas
João Rodrigues
Arquiteto
8 crimes de corrupção ativa
1 crime de tráfico de influência
2 crimes de violação de regras urbanísticas
5 crimes de prevaricação