Número de diligências não realizadas não pára de aumentar desde novembro, mês em que a variante, mais contagiosa, foi detetada.
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A alegada fraude com um subsídio milionário para um hotel da Tocha é de 2010, a acusação do Ministério Público (MP) foi deduzida dez anos depois e o julgamento foi agendado para 17 do corrente mês. Porém, neste dia, a procuradora do MP no Tribunal de Coimbra estava isolada, por causa da covid-19, e o julgamento foi adiado para 24. Dia em que teve de ser de novo adiado, porque, desta vez, eram uma juíza, um advogado e um arguido que estavam em isolamento profilático. Casos como estes têm aumentado nos últimos meses nos tribunais de todo o país, em consequência do aumento de infeções provocado pela ómicron, a variante mais recente do coronavírus.
Associada a um aumento abrupto da transmissão comunitária, a ómicron foi detetada em Portugal no final de novembro e, logo nesse mês, o número de adiamentos relacionados com a covid-19 mais do que triplicou face a outubro.
De acordo com dados fornecidos ao JN pelo Ministério da Justiça, em setembro foram adiadas, em todo o país, 46 diligências dirigidas por juízes ou procuradores. Em outubro, foram apenas 30 e, em novembro, 131. Em dezembro, novo aumento significativo, com 256 situações, não obstante a pausa de oito dias de férias judiciais. Os números de janeiro não estão disponíveis (ler caixa), mas a perceção de quem trabalha nos tribunais é a de que, neste mês, a ómicron se fez sentir ainda com mais força.
perceção comum
Em Aveiro, uma das comarcas que têm sido mais fustigadas e onde o final de 2021 até correu melhor do que o de 2020, o juiz-presidente, Jorge Bispo, crê que, em janeiro, "a situação será diferente, atendendo o considerável número de magistrados em isolamento profilático".
No Tribunal Judicial de Braga, a tendência é semelhante: depois de um julgamento adiado em novembro e mais 19 em dezembro, registaram-se, nas primeiras três semanas deste ano, 68 adiamentos. A administradora judicial, Irene Cruz, considera que, nos últimos dias, os números continuaram a crescer, dado ter havido um aumento de casos de covid-19 ou de confinamento obrigatório de juízes, magistrados do MP, advogados e oficiais de justiça.
Mais a sul, o presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados, João Massano, já perdeu a conta ao número de julgamentos que, nas últimas semanas, foram adiados "de véspera" nos tribunais da Área Metropolitana de Lisboa, por alguém estar em isolamento profilático.
menos "histeria"
Massano ressalva, ainda assim, que há hoje menos "histeria" do que existiu no início da pandemia e que os tribunais aprenderam a lidar com a propagação do coronavírus. Até porque, lembra o seu homólogo do Conselho Distrital do Porto, desta vez os prazos processuais não foram suspensos, o que impede a suspensão de casos não urgentes.
"O grau de adiamentos não tem qualquer correspondência com o que aconteceu em momentos anteriores. Deste modo, não se afigura que a eventual acumulação seja particularmente significativa", sublinha Paulo Pimenta.
Uma das estratégias mais usadas tem sido a substituição quer de magistrados quer de funcionários judiciais, para que as diligências possam decorrer na data marcada. Já em julgamento, com várias testemunhas chamadas a depor no mesmo dia, as sessões têm prosseguido, sendo apenas reagendado o depoimento das que, isoladas ou infetadas, não puderam comparecer. O recurso a videochamadas tem sido outra das alternativas.
"O problema é que, se já lutávamos com falta de pessoal, agora nota-se mais. Se não há maiores perturbações no funcionamento dos tribunais, é graças ao esforço dos funcionários judiciais, que tudo fazem para manter os agendamentos", sustenta o delegado sindical na Comarca do Porto do Sindicato dos Funcionários Judiciais, Orlando Mesquita.
Em dezembro, as ausências devidas à covid-19 implicaram, de resto, só 4,3% das 5970 diligências reagendadas.
ESTATÍSTICAS
Instituições tratam dados de forma diferente
O Ministério da Justiça quantificou, ao JN, os julgamentos adiados por causa da covid--19, entre setembro e dezembro, porque os funcionários judiciais tratam estes dados e reportam-nos, mensalmente, à Direção- -Geral da Administração da Justiça. Pelo contrário, o Conselho Superior da Magistratura não sabe dizer quantos julgamentos foram adiados devido à pandemia, porque criou uma plataforma para os juízes presidentes das comarcas introduzirem os dados que não permite discriminar as diligências agendadas e adiadas ou anuladas devido à covid-19. Essa discriminação só é feita com os dados das diligências não agendadas, como primeiros interrogatórios de detidos ou julgamentos sumários.