Um cão amarrado à porta de um hipermercado de Gondomar, por várias horas, justificou uma queixa-crime, por alegado abandono, e deverá justificar outra, por furto.
Corpo do artigo
Pelo meio, há acusações de maus-tratos e alegada coação pelas redes sociais. De um lado da barricada está António Silva, que quer recuperar "Deco", animal de estimação que estava na família há cerca de 20 anos e de que se esqueceu numa ida às compras. Do outro, está um grupo de ativistas de defesa dos animais, que só admite devolver o cão se tiver a certeza de que não será maltratado.
Na manhã de 23 de setembro, uma sexta-feira, António Silva, de 58 anos, repetiu o seu ritual diário e, na companhia de "Deco", percorreu os 50 metros que ligam a sua casa, em São Pedro da Cova, Gondomar, ao Lidl. À porta deste, como era seu costume, prendeu a trela ao suporte de bicicletas, foi comprar pão e regressou à sua residência. Desta vez, sem o cão.
https://d23t0mtz3kds72.cloudfront.net/2021/10/09out2021_sarag_antoniosilvadonocaoesquecidogondo_20211009201618/mp4/09out2021_sarag_antoniosilvadonocaoesquecidogondo_20211009201618.mp4
"Esqueci-me dele, provavelmente por ainda estar abalado por uma ida recente ao hospital, e só dei pela sua falta quando, pelas 17 horas, cheguei a casa, de um almoço com familiares. Fui à procura e os vizinhos disseram-me que tinha ficado amarrado à porta do hipermercado. Quando lá cheguei, já não o encontrei", recorda.
Nas suas diligências para recuperar o cão, António Silva descobriu que a Polícia Municipal de Gondomar e elementos do Centro de Recolha Oficial Animal do concelho tinham estado no local, mas "Deco" fora recolhido por uma mulher. "Fui falar com ela, mas disse-me que já tinha entregado o "Deco" a outra pessoa, sem me revelar onde estava ele. Tentei falar com essa pessoa pelas redes sociais, mas ela não me disse onde estava o cão", conta António Silva.
Há duas semanas que aquele homem não sabe do paradeiro do animal de estimação. "Já falei com o advogado e vou avançar com uma queixa", avisa.
Ministério Público decidirá futuro do cão
Nuno Santos, ativista que foi candidato do PAN (Partido das Pessoas, dos Animais e da Natureza) à Câmara de Gondomar, nas recentes eleições, conhece as pessoas que acolheram o cão e assume-se, ao JN, como seu porta-voz. Segundo diz, está envolvido na alegada recuperação do animal. "O cão esteve amarrado entre sete e oito horas, à porta de um hipermercado, e apresentava várias carências: tinha um aspeto frágil, uma pelada no dorso, vestígios de pulgas e uma infeção no focinho", afirma, garantindo que só devolve o animal ao dono se tiver a garantia de que aquele não será maltratado, ou por ordem das autoridades. O ativista revela que, no dia 24 de setembro, apresentou à GNR uma queixa por abandono e maus tratos, aguardando o desenrolar desse procedimento legal para decidir o futuro do cão. "Não somos nós que queremos evitar a devolução. Há um processo a decorrer e é preciso esperar pela decisão das autoridades", entende.
Ao JN, a GNR confirma a queixa e acrescenta que a mesma foi enviada para o tribunal. "Aquando da queixa, o dono do cão foi contactado, identificou-se de pronto e contou que se tinha esquecido do animal. Será o Ministério Público (MP) a decidir o que se fará com o cão", diz fonte oficial da Guarda.
Polícia Municipal sugeriu ao dono que fizesse queixa
A Câmara de Gondomar confirma que a Polícia Municipal (PM) e o Centro de Recolha Oficial Animal de Gondomar (CROAG) se deslocaram ao hipermercado, "em momentos distintos", no dia em que "Deco" ficou ali amarrado. Mas "o CROAG não recolheu o animal, pois, à chegada ao local, o mesmo já não se encontrava ali", explica. Segundo diz, o dono do cão "compareceu, no dia seguinte, nas instalações da PM", mas sem provas de ser o seu dono. "Afirmou saber quem o tem em sua posse, mas que essa pessoa se recusa a entregar-lhe o canídeo. Assim, foi esclarecido de que deveria apresentar queixa na GNR", diz.
Pormenores
Cão sem microchip
"Deco" tem boletim de vacinas, mas não microchip. Isso, alega a Câmara, impediu que o dono do animal fosse identificado e contactado. O cão terá sido levado ao veterinário pelos ativistas.
Queixas de coação
A família de António Silva publicou nas redes sociais a página de Facebook de uma das mulheres envolvidas no resgate do cão, a qual recebeu vários contactos. "Lamento que alguém que tenha tentado ajudar um animal tenha sido coagido através de mensagens", critica Nuno Santos.