Defesa de ucraniano acusado de matar russo afirma que “Justiça não foi cautelosa”
A justiça portuguesa só conseguiu localizar o ucraniano acusado de homicídio em maio de 2022, passados 21 anos depois do crime, quando o arguido fugia da guerra na Ucrânia.
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A leitura do acórdão do ucraniano acusado de ter matado um russo, em 2002, em Viseu, marcada para esta quinta-feira de manhã, foi adiada para sexta-feira, porque o relatório social sobre o arguido, escrito em português, obrigou a que a intérprete, durante quase meia hora, o traduzisse ao arguido.
“Depois dos factos que estão na origem do presente processo, [o arguido] viajou para Itália e, depois disso, para a Alemanha, países a partir dos quais foi mantendo contactos regulares com a Ucrânia, onde se deslocava com frequência e para onde, em 2008, regressaria de forma definitiva”, lê-se no relatório, a que o JN teve acesso.
A defesa, que sempre pretendeu provar que o arguido não andou fugido, voltou a questionar o arguido, que explicou que, quando saiu da Ucrânia, em 2002, manteve o registo de morada onde residira até àquela altura, em casa dos pais, na cidade de Toretsk. Na Ucrânia, uma alteração de morada, por qualquer cidadão, é feita junto do sistema policial.
Sergiy Uvarov apenas mudou o registo policial de morada depois de ter casado, em 2010, mas garantiu que manteve “sempre” contacto com a casa dos pais, para onde, alegadamente, foram enviadas as notificações do Tribunal.
O Ministério Público deduziu acusação contra Sergiy Uvarov em 21 de janeiro de 2010, tendo tentado notificar o arguido da mesma através de carta enviada para a referida morada da casa dos pais, na Ucrânia, em abril de 2010, e para uma morada em Portugal, em novembro de 2010. Depois, foram ainda afixados editais da Comarca de Viseu, em 26 de janeiro de 2011.Os textos elaborados para notificar o arguido, na Ucrânia e em Portugal, seguiram em língua portuguesa.
Não tendo a justiça portuguesa conseguido notificar o arguido, acabou por declará-lo contumaz, em 31 de março de 2011, o que fez com que todos os prazos de prescrição dos crimes ficassem suspensos. A defesa alega que a declaração de contumácia não é válida e já fez chegar uma queixa ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.
“A justiça não foi cautelosa o suficiente no sentido de que o arguido tomasse conhecimento dos seus direitos. Há um rigor de controlo de morada pelo sistema policial da Ucrânia. Foi a justiça portuguesa que não foi diligente e isso tem consequências”, afirmou o advogado Elísio Lourenço, deixando um apelo ao Tribunal:
“A família que é penalizada pela ausência dele [do arguido] não existia em 2002, os filhos não existiam. É por isso que se faz um apelo ao tribunal no sentido de não prolongar o sofrimento da família”
Sergiy Uvarov, perante o Tribunal, voltou a pedir perdão à família da vítima mortal, David Iliutchenko.
No final, a juiz-presidente do coletivo informou que o tribunal iria voltar a conferenciar “de forma complementar” com os jurados, marcando para a tarde de amanhã a leitura do acórdão.
Sergiy Uvarov está acusado de um crime de homicídio, de que foi vítima o russo David Iliutchenko, apontado como elo de ligação entre máfias de imigração ilegal. Está também acusado de dois crimes de homicídio na forma tentada, por alegadamente ter ferido os ucranianos Valeriy Bigvava e Igor Garcucha.