Centro no Porto aprovou centenas de carros sem vistoria a elementos vitais para a segurança. Inspetores foram condenados com pena suspensa.
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Centenas de viaturas foram aprovadas no Centro de Inspeção Técnica de Veículos (CITV) da Zuir, na Rua Direita de Pereiró, no Porto, sem percorrerem todas as etapas da inspeção periódica obrigatória (IPO), em especial a que avalia os principais órgãos de segurança do carro. Casos há em que a viatura nem chegou a entrar no centro. Entre os carros aprovados à margem da lei, estão um Rolls-Royce, um Lotus e dois Porsche 911 Carrera.
339 viaturas foram aprovadas sem que fosse sujeitas a uma inspeção completa no centro da Zuir, concluiu o Tribunal de São João Novo, no Porto.
O caso chegou a julgamento, recentemente, no Tribunal de São João Novo, no Porto, e 14 inspetores foram condenados por falsificação de notação técnica e abuso de poder, mas as penas foram suspensas a todos eles. A mesma sorte tiveram dois clientes, também arguidos no processo.
Com exceção de um caso em 2014 e outro em 2017, todas as "aprovações" ocorreram em 2015. E, entre os veículos dados como aptos para circular, há pelo menos um que nem chegou a entrar no Centro de Inspeção da Zuir.
Os restantes cumpriram algumas formalidades, embora nunca tenham sido colocados na fossa existente no final da linha de inspeção. Ficaram por inspecionar o estado da direção, eventuais folgas na direção, pneus, suspensões, tubos de escape e silenciadores, entre outros componentes.
Apesar disso, os arguidos introduziam no sistema valores que permitiam concluir que o veículo tinha sido verificado e que estava em boas condições.
Entre o verde e o amarelo
O número de ilegalidades detetadas permite perceber o sentimento de impunidade que grassava entre os inspetores.
Um deles, Vítor Alves, aprovou na "secretaria" 90 veículos; outro, Bruno dos Reis, 81; Rui Soares, por seu lado, foi responsável por deixar circular 38 viaturas; e Ricardo Azevedo 32.
Neste "pódio", destacam-se, ainda, Sandro Lima, Carlos Costa e Paulo Almeida, com, respetivamente, 24, 18 e 19 aprovações.
Há, ainda, o caso singular do Fiat Punto amarelo, que foi estacionado fora do centro pelo eletricista que habitualmente o levava às inspeções e que, mesmo assim, foi aprovado. O tribunal notou que o carro era verde no livrete, pormenor difícil de não ser detetado.
O dono confirmou que era sempre o arguido a levar o carro à inspeção. E este disse que ele era mesmo verde, e não amarelo, como constava da acusação.
O que de nada lhe valeu, pois a Polícia Judiciária já então vigiava o centro e os inspetores comprovaram que o Punto nunca chegou a entrar na Zuir.
Também o dono de um Audi A6 telefonou a um dos inspetores, preocupado com uma deficiência num sensor do travão de mão, que mantinha a luz ligada.
O inspetor disse que o carro podia ir à IPO e o dono questionou-o: "e em relação àquele extra? É igual ou mais um bocado"?
A resposta recebida - "50" - foi entendida pelo tribunal como verba necessária à sua aprovação.
Pormenores
Sem pára-choques
Um Nissan Terrano foi aprovado pelo centro de inspeções no dia 3 de março de 2017 e, 13 minutos depois, foi apreendido pela GNR, na A4, em Águas Santas. Tinha, entre outras deficiências, pára-choques em tubos de metal, pneus quase carecas e problemas no sistema de travagem.
Denúncia anónima
A investigação partiu de uma denúncia anónima, que dizia que, deixando dinheiro dentro dos carros, estes eram aprovados. Mas na investigação não foram recolhidas provas disso e os inspetores não chegaram a ser julgados por corrupção.