Desinvestimento na Justiça faz perigar democracia, alerta procurador-geral distrital
O procurador-geral regional do Porto traça um retrato negro das condições de funcionamento da Justiça. Norberto Martins elenca várias faltas e deficiências - da “gritante escassez” de recursos humanos às “instalações decadentes e em ruínas” - que degradam a Justiça e fazem perigar o desenvolvimento e a democracia.
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No relatório anual da Procuradoria-geral regional do Porto (PGRP), divulgado esta terça-feira, o procurador-geral distrital critica a “dantesca falta de funcionários” em núcleos, comarcas e departamentos especializados, que deixa “milhares de documentos, requerimentos, informações policiais, cartas, etc.” por juntar a processos. E lamenta as “instalações decadentes e em ruína”, como o DIAP do Porto, onde procuradores e funcionários “acotovelam-se e comprimem-se” e disputam espaços “como quem luta por território ocupado em tempo de guerra”.
As condições e falta de equipamentos também não são esquecidas por Norberto Martins: aquecedores do século passado, falta de digitalizadores, a “velocidade da Internet que ombreia com a das tartarugas” e a necessidade de mendigar veículos para diligências no exterior. Porém a tónica recai na “gritante escassez de magistrados”.
No ano de 2022, o relatório contabiliza “7524 dias de trabalho perdidos na PGDP por doença, gravidezes de risco, liberas de parentalidade e outras ausências”, o que, na prática, corresponde a uma diminuição de 20 magistrados”. A falta de profissionais implica que os magistrados trabalhem centenas de horas extraordinárias que a Direção-Geral da Administração da Justiça “adia, ignora, recusa efetuar o pagamento, em alguns casos há quase dois anos”.
Nenhuma democracia resiste a uma Justiça desvalorizada
Norberto Martins frisa que o assinalar destas dificuldades “não pretende ser nenhuma desculpa para erros próprios”, mas, sim, “mais uma vez, chamar a atenção, clamar, gritar se for necessário, que nenhuma democracia, cedo ou tarde, resiste a uma justiça desvalorizado, esquecida, desinvestida, que apenas parece correr atrás de modernismos de impacto digital”.
O procurador-geral regional acrescenta ainda que “adiamentos, atrasos, prescrições, uma Justiça degradada, sempre à mão para o enxovalho de experts do mediatismo, serve bem a alguns e todos sabemos a quem beneficia. Não serve o desenvolvimento nem a democracia”.
Pendências agravaram-se 33% em quatro anos
Quanto à contabilização dos processos na área criminal, o relatório assinala o quarto ano consecutivo de aumento das pendências, tendo-se agravado 33% neste período. No último ano, foram instaurados 144 542 inquéritos (mais 8000 que em 2021) e concluídos 139 864, o que se traduziu num aumento de 4678 inquéritos nas pendências.
Em termos de duração, o tempo médio de inquérito, excluindo processos com autores desconhecidos, aumentou de 371 dias para 405 dias. Estes “valores muito elevados”, assinala o procurador-geral regional, justificam-se por investigações mais densificadas e complexas e a falta de magistrados.
Ainda na área criminal, o relatório destaca uma taxa de condenações em julgamento de 84,16%. E também subidas de alguns tipos legais de crimes como os contra idosos (562 para 769), contra pessoas com deficiência (18 para 46), contra profissionais de saúde (38 para 86), contra professores (19 para 45) e ainda a contínua subida da criminalidade relacionada com o tráfico de droga (1544 para 1864) e os crimes de incêndio florestal (3460 para 4667).