“Raramente chegam a este tribunal atos desta desumanidade”, disse a presidente de um coletivo de juízes de Almada na leitura da sentença do acórdão em que condenou sete arguidos a prisão efetiva.
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Sete membros de um gangue juvenil do Vale da Amoreira, no concelho da Moita, foram condenados a penas de prisão entre 9 e 12 anos, por raptar e torturar três homens que, alegadamente, lhes teriam roubado receitas do tráfico de droga.
Um dos ofendidos ficou em cativeiro durante uma semana, período durante o qual foi despido, chicoteado e queimado com uma faca em brasa, para que revelasse o paradeiro de uma bolsa com dez mil euros, que, de resto, nunca foi encontrada. Esta vítima fugiria do Vale da Amoreira e está no norte do país, onde vive em situação de sem-abrigo, com medo de regressar a casa.
“Raramente chegam a este tribunal atos desta desumanidade”, disse a juíza Carla Roque, no Tribunal de Almada, durante a leitura da sentença. “Agrediram de forma selvática uma das vítimas, chicotearam-no com cabos de eletricidade, marcaram-no com faca em brasa, aplicaram uma tortura psicológica terrível, e, para o tratamento de feridas, deram-lhe Betadine e Bepantene. Não houve uma alma, nesta situação toda, que dissesse 'já chega'”, exclamou a juíza.
Os crimes aconteceram em maio de 2023, na Praceta Antão Gonçalves, no Vale da Amoreira. Perante o desaparecimento de uma bolsa com dez mil euros, que se acreditava ser dinheiro de tráfico de droga, os arguidos desconfiaram de um homem, traficante local. Este foi levado para a casa, um rés do chão com grades nas janelas onde foi agredido dias a fio pelos arguidos, para revelar o paradeiro da mala.
Ao longo daqueles dias, a vítima apontaria o nome de outros dois homens, como possíveis autores da “banhada”. E estes também acabaram por ser sequestrados e agredidos pelos arguidos, mas sairiam no mesmo dia.
Os arguidos chegaram ainda a deslocar-se a casa da ex-companheira da primeira vítima, onde procuraram pela bolsa, mas sem sucesso.
Em julgamento, os arguidos defenderam que a vítima, um traficante de droga sem-abrigo, podia sair livremente da casa onde ocorreram as agressões.
A juíza descredibilizou esta versão. “Alguém transportado contra a sua vontade, agredido de forma selvática, chicoteado e queimado, por muito que não tenha por onde ir, não arriscava ficar no mesmo local, com medo de voltar a ser agredido e ser até morto”, disse Carla Roque, acrescentando que o ofendido “até podia ser o maior traficante de droga do país, mas não pode ser tratado assim". "Não vivemos nos Estados Unidos, onde há justiça privada [feita] por gangues”.